O Parque Ibirapuera é nosso?

Aos 64 anos, o parque Ibirapuera será administrado pela iniciativa privada. A empresa que será a responsável pela mais importante e cobiçada área verde da cidade é a empreiteira Construcap, que foi anunciada vencedora do edital de concessão no dia 11 deste mês.

A empresa Cataratas, gestora do parque das Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, e do aquário do Rio de Janeiro, também participou da licitação com uma proposta no valor de R$ 25 milhões de reais. O valor mínimo exigido pela prefeitura era de R$ 2,1 milhões. A previsão é a de que a concessão gere uma economia de R$ 1 bilhão de reais.

Com um lance de R$ 70,5 milhões, a Construcap, empresa que traz na bagagem obras viárias, de igrejas como o Templo de Salomão e de hospitais como a nova sede do Pérola Byington, assumirá a gestão, manutenção e operação do Ibirapuera e de outros cincos parques da capital: Jacintho Alberto (Pirituba), Eucaliptos (Vila Maria), Tenente Faria Lima (Vila Sônia), Lajeado (Guaianases) e Jardim Felicidade (Jardim Felicidade).

O período de concessão estabelecido pela prefeitura é de 35 anos. A assinatura do contrato, porém, só acontecerá daqui a seis meses, prazo que prefeitura terá para apresentar um novo Plano Diretor para o parque e especificar quais serão as responsabilidades ambientais e sociais da nova administração.

O acordo para a realização do Plano Diretor do Ibirapuera antes de passá-lo à gestão privada foi realizado entre o vereador Gilberto Natalini (PV), o Ministério Público do estado de São Paulo e a prefeitura em audiência conciliatória designada pela juíza Cynthia Tomé no dia 8 de março.

O vereador Gilberto Natalini e o MP haviam entrado na Justiça para suspender e posteriormente anular o edital após a constatação de irregularidades que oferecem riscos ao parque. As ações argumentam que o edital deixa vaga a responsabilidade da nova gestora na preservação ambiental e uso da área.

Da maneira como estava formulado, o edital de concessão previa que o plano diretor do parque fosse realizado pela empresa vencedora após a assinatura do contrato, o que, para Gilberto Natalini, representava o mesmo que colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Outro erro apontado no edital foi aplicação do Plano Diretor da Cidade.

“É imprescindível que a elaboração de um Plano Diretor prévio do parque ou atualização do Plano Diretor vigente conte com ampla participação popular, definindo o que poderá ser feito no parque pelo concessionário”, diz Natalini.

Funcionários, conselheiros e associações de bairros participaram de uma Audiência Pública na Câmara dos Vereadores convocada pelo vereador Gilberto Natalini

De acordo com o vereador, o edital de concessão do Ibirapuera não cumpre as diretrizes da Lei Municipal nº 16.703/2017, de sua autoria, que determina, entre outras medidas, a preservação dos serviços ambientais no Plano Municipal de Desestatização e a obrigatoriedade de indicadores de sustentabilidade.

No parágrafo 7º do artigo 9º da Lei fica assegurado que “as concessões e permissões de parques e praças deverão garantir a manutenção dos serviços ambientais, suas funções ecológicas, estéticas e de equilíbrio ambiental, observadas as regras de manejo arbóreo, proteção das nascentes, cursos d’água, lagos, fauna, flora e permeabilidade do solo”.

A ação do vereador foi apoiada pela ONG Parque Ibirapuera Conservação, pelo Conselho Gestor do Parque Ibirapuera e por associações de bairros. “Compactuamos com o Exmo. Vereador Gilberto Natalini no que tange à anulação do edital em caso de ausência de retificação dos elementos expostos pela ação”, afirmam, por meio de uma nota conjunta, as associações de moradores do Jardim da Saúde (AMJS) e da Vila Mariana (AVM).

Já na ação civil pública do MP, o promotor de meio ambiente Carlos Henrique Prestes de Camargo também argumenta que o edital não garante a proteção ao meio ambiente. Ele pontua que “as obrigações ambientais da minuta do contrato estão previstas em redação genérica, grosseiramente resumidas a: “se obriga a cumprir a legislação”, o que implica riscos.

O Plano Diretor do Parque, que começa a ser elaborado pela prefeitura e que deverá ser validado tanto pelo vereador Gilberto Natalini quanto pelo Ministério Público, como ficou definido no acordo judicial do dia 8 de março, deverá cumprir agora a importante função de corrigir essas falhas apontadas.

O plano diretor referenciado no edital da concessão do parque não tem absolutamente nada a ver como o plano diretor do parque Ibirapuera, que é um documento que especifica aonde estão as obras que serão exploradas comercialmente dentro da concessão.

Desde que veio à público, em 2017, sob a gestão do então prefeito e hoje governador de São Paulo João Dória (PSDB), a concessão do parque Ibirapuera tem sido alvo de críticas sob deferentes aspectos, da falta de participação da sociedade civil na sua formulação à falta de diretrizes transparentes de preservação.

Em junho de 2018 e em 23 de fevereiro último, mais de 300 pessoas, entre servidores e usuários, promoveram uma manifestação no parque em defesa dos equipamentos públicos ali existentes, como o Centro de Convivência e Cooperativa (Cecco), unidade de saúde mental do SUS, e o Campo Experimental da Escola de Jardinagem, de educação ambiental.

Mobilização pela preservação dos serviços públicos do parque

Segundo relatos de funcionários, as atividades prestadas por esses equipamentos já eram dadas praticamente como encerradas com a concessão do parque. Ambos os espaços eram cobiçados para abrigar instalações comerciais. “Já que não podem construir mais nada no parque por ele ser tombado, querem aproveitar os prédios existentes”, alertou um funcionário do Cecco.

Agora, um dos pontos que deve ser esclarecido pela municipalidade diz respeito ao uso dos espaços do parque pela nova gestora, que está liberada para explorar fontes de receitas por meio do estacionamento, aluguel de bicicletas, venda de ingressos e locações de espaços como o Planetário, Oca, Pavilhão das Culturas Brasileiras e o Viveiro Municipal Manequinho Lopes. O edital proíbe a cobrança para o acesso ao parque.

Já o Auditório Ibirapuera só passará para a nova gestora em 2020, quando se encerra o contrato de seu atual responsável, o Itaú Cultural. O Museu de Arte Moderna (MAM) e a Bienal do parque Ibirapuera, que já são geridos pela iniciativa privada, ficaram de fora da concessão. 

A Construcap assumirá os espaços comerciais já existentes no parque. Entre eles estão as três lanchonetes e o restaurante The Green da Marquise. O edital prevê ainda a construção de mais seis lanchonetes e três restaurantes.

De acordo com a prefeitura, o parque precisa de muitas reformas, como no Viveiro Manequinho Lopes e na Marquise. Num levantamento de 2018, as obras mais urgentes do parque superam o valor de R$ 22 milhões de reais. No mês passado, por exemplo, parte da Marquise foi interditada após uma vistoria identificar infiltrações e erosão na estrutura.

Com 1,58 milhão de metros quadrados, mais de 150 mil visitantes num único final de semana, uma rica vegetação habitada por mais de 163 espécies de animais e aves e berço da Bacia do Sapateiro, o parque Ibirapuera não é considerado um parque unidade de preservação, apenas como área verde urbana. O edital de concessão, no entanto, não contempla essa especificidade da área.

Outro ponto que despertou críticas, e que não foi revisto, foi a abertura do edital às empresas que não possuem experiências na administração de áreas verdes. No edital pedia-se apenas a experiência na gestão de grande público, como é o caso da empreiteira Construcap, que não possui no currículo experiência de parques.

Após vencer a licitação neste mês, a empreiteira Construcap disse, por meio de nota, que aguardará os desdobramentos do processo [a elaboração do plano diretor do parque pela prefeitura e sua aprovação] e afirma que “pretende entregar à população espaços públicos requalificados, com observância à legislação ambiental em vigor, preservação da fauna, flora e da paisagem tombada pelo patrimônio histórico”.

A empresa também se manifestou sobre o seu envolvimento na 31ª fase da Operação Lava-Jato. Em 2018, um de seus donos, Roberto Capobianco, foi condenado a 12 anos de prisão. “A Construcap reitera os valores do seu Programa de Integridade e tem convicção da absolvição de seu executivo pelo tribunal recursal, como já aconteceu com a companhia, absolvida das mesmas acusações pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União em 16 de outubro de 2017”.

O próximo passo para definir os rumos do Ibirapuera é a provação do Plano Diretor do parque e a sua aceitação pela Construcap. Caso a empresa não aceite os termos previstos no documento e desista, a concessão será passada à empresa Cataratas.

A fiscalização da nova administração do parque Ibirapuera será de competência da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), responsável pela gestão dos 107 parques da cidade.

O desafio da nova administração do parque é grandioso e inclui reformas de estruturas, preservação dos serviços públicos, patrimônios arquitetônicos e naturais, melhoria na segurança, na limpeza e nos equipamentos como banheiros.

O que se espera agora é que o parque proporcione aos visitantes uma experiência plena sem jamais perder de vista a sua principal caraterísticas: ser público.