O nosso lixo de cada dia

A lista de resíduos descartados de modo irregular em praças, vias e calçadas do bairro é imensa e ilustra um dos maiores desafios da atualidade: a gestão do lixo. Repensar essa lógica de desperdício e encontrar destinos adequados a esses resíduos, gerando emprego e renda, envolve a participação da sociedade e começa dentro de casa, no bairro.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, apenas 58% dos resíduos produzidos no Brasil são destinados à reciclagem; os 42%, formados por resíduos não separados, têm como destino os aterros sanitários ou lixões, locais insalubres que causam danos ao meio ambiente e à saúde de quem sobrevive desses materiais.

Hoje, 51% dos resíduos de São Paulo são formados por materiais orgânicos, 35% por materiais secos, e 14% por outros, como rejeitos. Em bairros com poder aquisitivo maior, o caso da Vila Mariana, a produção de resíduos também é maior se comparado a outros bairros. Enquanto nas regiões pobres a produção é de 0,63 kg por pessoa, aqui é de 1,75kg.

Segundo o IBGE, a população da Vila Mariana supera os 131 mil moradores, e a produção local é de 26 toneladas de resíduos por dia, — é um dos bairros que mais recicla na capital, respondendo por 37% do conglomerado Sudeste. O distrito da Vila Mariana e mais 18 subprefeituras são atendidos pela concessionária Ecourbis.

Três vezes por semana, às terças, quintas e aos sábados, são retirados treze caminhões de resíduos do bairro, cinco no período da manhã e oito no período da tarde; são 1.570 contêineres de 1m³ e 30 de 2,5m³. Os recicláveis desse material são destinados às cooperativas próximas e a uma Mega-Central na região Sul, localizada próxima à Rua Vergueiro.

DESTINO

Quando esses resíduos não encontram um destino correto, isso é, não são gerenciados, provocam grandes impactos: em casa, atraem insetos e vetores de doenças; nos rios, contaminam a água; nos aterros sanitários, aumentam a produção de gás metano; além do prejuízo financeiro que o desperdício representa. Em média, o quilo de papel custa 13 centavos e o de latinhas de alumínio, 2 reais.

Para tentar minimizar o problema dos descartes pelo bairro, foi inaugurado, em 2015, na Rua Afonso Celso, 147, um Ecoponto de coleta de resíduos. Com capacidade de 600 metros cúbicos, ele opera de segunda a sábado, das 6h às 22h e aos domingos e feriados das 6h às 18h. Cada usuário pode depositar, gratuitamente, até um metro cúbico de resíduos por dia, o equivalente a uma caixa d’água de mil litros. O Ecoponto acolhe restos de construção civil, como pisos, azulejos, cimento, terra; grandes objetos como móveis; madeiras e galhos de árvores e resíduos recicláveis como papelão, plástico, vidro e metal.

BUSCA DE SOLUÇÕES

Da produção ao destino final, a gestão de resíduos foi tema de um debate promovido pela Aliança Resíduo Zero Brasil, no dia 4 de agosto na Umapaz, no Parque Ibirapuera. A mesa, formada por catadores e especialistas no assunto, debateu os resultados positivos das cooperativas na coleta seletiva e o consumo responsável.

Para o co-promotor da Aliança Resíduo Zero Brasil, consultor ambiental e arquiteto e urbanista Carlos Henrique Oliveira, é preciso reverter a lógica de ‘aterramento máximo e recuperação mínima’. Só assim iremos melhorar a gestão dos resíduos. “Os produtos que consumimos hoje têm vida útil muito curta e vida inútil muito longa”, ressalta. “É preciso evitar esse desperdício e disseminar o conceito resíduo zero”.

A POLÍTICA

Em 2010, depois de duas décadas tramitando no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei 12.305 referente à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada no mesmo ano pelo Decreto Federal 7.404. Ela é a principal referência do país no assunto e estabelece mudanças na forma de entender, tratar e destinar os resíduos produzidos cotidianamente. A Lei ainda deter-mina a “Logística Reversa”, que responsabiliza as empresas pela destinação adequada e a reciclagem do material que produzem. 

“A PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) define as responsabilidades de cada setor, instâncias do governo e destaca a valorização das matérias-primas por meio da separação, tratamento e destinação correta”, explica a arquiteta e urbanista, integrante do Movimento Estadual pelos ODS, da Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), Agenda 2030 e da Rede Nossa SP/GT Meio Ambiente, Nina Orlow.

O ponto central desse Plano Nacional, diz Nina, é a hierarquia das cinco prioridades que todos precisam praticar para melhorar a gestão dos resíduos. São elas: “Não gerar resíduos, reduzir, reutilizar, encaminhar para reciclagem e destinar corretamente os rejeitos”. No dia a dia, a coleta deve ser realizada em três categorias: “orgânicos, recicláveis e rejeitos”.

Entre as propostas definidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos estão a implementação de mecanismos para mudar os padrões de consumo e defender a reciclagem popular por meio de cooperativas de catadores. “Precisamos valorizar a inclusão dos catadores em toda a cadeia do processo de reciclagem, e exigir a ampliação e o fortalecimento de políticas públicas”, diz Nina. 

Hoje, a cidade de São Paulo conta com 1.600 catadores organizados em cooperativas e mais de 10 mil que trabalham de forma avulsa.  “Os catadores devem ser os protagonistas de todo o processo de coleta seletiva”, defende Nina. No bairro não existe nenhuma cooperativa de catadores, apenas avulsos, entre eles os carroceiros da Rua Mário Cardim.

Nina acredita que o ideal é ter uma cooperativa em cada subprefeitura da cidade. “Assim cria-se uma relação valorizada entre quem gera os resíduos e os responsáveis pela coleta, triagem e destinação. É importante ressaltar que os catadores devem ser remunerados não apenas pela venda, mas principalmente pela responsabilidade que lhes cabe nesse trabalho”.

O trabalho dos catadores é mais eficiente do que o feito pelas empresas concessionárias, diz Carlos Henrique. “Experimentos feitos pela prefeitura em algumas regiões revelam isso. O trabalho realizado de porta em porta pelos catadores é melhor porque também compreende um fator essencial, que é a conscientização dos moradores, que já sabem o quê e como separar de acordo com a orientação do catador”.

A participação de cada um na gestão dos resíduos é essencial e precisa ser feita por meio de duas atitudes, as principais defendidas pela ARZB, ensina Nina. “A primeira é ser responsável em relação ao consumo e descarte, precisamos observar o que podemos melhorar. Em segundo lugar está a cobrança de políticas públicas que assegurem bens duráveis e recicláveis. A Vila Mariana pode ser um exemplo para a cidade”.

O deperdício tornou-se um problema tão grave que em uma Assembleia Geral da ONU, em 2015,  seus 193 membros aprovaram uma nova agenda Global, a Agenda 2030, que traz 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), subdivididos em 169 metas a serem cumpridas até 2030. “Esse compromisso é importante porque envolve todos os governos, instituições e cada pessoa para tornar realidade a produção e o consumo responsáveis. Esse alerta vermelho disparado pela ONU é urgente e significativo!” destaca Nina 

PELA VILA

Basta passear pelas ruas da Vila Mariana para ver restos de comidas, cigarro, plástico e entulho descartados ilegalmente. Os canteiros, todos os dias, recebem  saquinhos e mais saquinhos de cocô de cachorro. 

A esquina da Rua Mário Cardim com Uruana é um exemplo de descaso com o bem público. A coleta feita pela subprefeitura no local não dá conta, observa a vizinha Andréa Thomé. “Quando o entulho é recolhido, às vezes acumulado por uma semana, no dia seguinte tem um novo descarte”.

Há ainda o problema dos carros abandonados, carcaças que servem de lixeira e pontos viciados de descarte de lixo. Mal iluminada e sem movimento, parte da Rua Dr. Astolfo de Araújo é outro exemplo: estacionadas ali faz tempo, duas carcaças incendiadas acumulam materiais despejados. A subprefeitura fez a limpeza nas carcaças, sem removê-las, mas a rua continua muito suja. Sem esquecer do Largo Ana Rosa, há anos desprezado pelo poder público. Nos tempos em que era uma praça, do luxo foi para o lixo depois de implantado o Metrô.

Se por um lado as políticas de resíduos sólidos ainda engatinham no Brasil, a responsabilidade com o lixo que se produz é uma decisão pessoal. Dentro de casa, separar os resíduos, seguindo as três diretrizes básicas: orgânicos, recicláveis e rejeitos, já é um bom começo. A consciência do dia a dia em não gerar, reduzir e reutilizar  contribue para diminuir o impacto do lixo ao meio ambiente e tornar a Vila Mariana mais sustentável. Sem esquecer de levar o saquinho de cocô do cachorro para o lixo!