Imagem da Fé

Há 60 anos, uma romaria à  Nossa Senhora de Aparecida sai da Vila Mariana, seguida pelos descendentes das famílias mais antigas do bairro. Conheça essa história, uma tradição de fé que se renova a cada nova geração

Os antigos moradores da Vila Mariana, em sua maioria italianos, católicos fervorosos e muito festeiros, viviam em uma comunidade cuja amizade era o valor mais importante a ser passado aos seus descendentes. Humberto Torres Nastari, integrante de uma das famílias mais tradicionais do bairro quando alcançou a graça da cura do ente querido, em gratidão, prometeu trazer para a Paróquia Santo Inácio de Loyola, à rua França Pinto, uma cópia fiel de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. E foi a partir de 1949 que parentes e amigos de Nastari iniciaram a romaria à Nossa Senhora Aparecida. O movimento, que partia da rua Humberto I, onde sua família morava, ganhava novos adeptos a cada jornada. E, em 1954, os paroquianos da Santo Inácio de Loyola passaram a seguir viagem junto com o grupo.

Embora os fundadores da iniciativa não estejam mais vivos, a procissão perdura até hoje. Em sucessão aos primeiros romeiros, a quarta geração de fiéis perfaz anualmente o sagrado trajeto até o Vale do Paraíba. E o grupo só ampliou. Atualmente, são 60 homens em devoção, entre adolescentes e adultos, de 12 a 75 anos, de vários cantos da cidade e até do interior do estado. Completará 60 anos de tradição em 2009, e é conhecida no bairro como a romaria masculina da Paróquia Santo Inácio de Loyola. É isso mesmo, só homens podem freqüentá-la. “Somos uma romaria familiar e de amigos. Iniciou-se pelo saudoso Humberto Nastari e se expandiu entre parentes e amigos”, conta o atual coordenador da romaria, Fábio Eluf, 50 anos, 35 deles como romeiro.

Hoje em dia, o grupo vai a Aparecida em uma data flutuante: um final de semana 15 dias antes ou depois da Páscoa. “Como somos em muita gente, No Dia da Padroeira a cidade fica abarrotada e não tem hospedagem para todo mundo. Por isso, a romaria sai um pouco antes ou depois”, explica.

Nos últimos anos, a romaria tem se concentrado e partido da rua Gandavo, onde mora Eluf. A viagem acontece em comboio de carros. O clima continua o mesmo desde sua fundação, é repleto de amizade e regado a churrascos de confraternização.

Os sentimentos dos participantes são múltiplos. “A comoção individual em estar presente na romaria varia de cada pessoa. Alguns querem agradecer uma vitória ou bênção, fazer uma confraternização terna e profunda ou também achar forças e o conforto da amizade neste grupo para atenuar uma dor ou saudade de alguém. No geral, é um sentimento de agradecimento, fé, amizade e carinho que cerca a todos”, relata Eluf.

Para ele, de tantas romarias, uma foi inesquecível e lhe ajudou a renovar a fé espiritual. “Foi em 1997, quando perdi meu pai. Achava que não teria mais forças para continuar, não queria assumir o cargo de coordenador deixado por ele. No fim, atendi aos apelos para que fosse o organizador e suportei a dor. Resta ainda uma saudade gostosa e hoje tenho o prazer de levar a Aparecida meu filho de 12 anos”, diz.

Emoção maior mesmo acontece quando a famosa romaria da Vila Mariana (com direito até a uniforme) tem o privilégio de adentrar em cortejo a Basílica lotada, com a imagem de Nossa Senhora em mãos. E, ainda, assistir à missa em lugar cativo perto do altar da igreja. “Ao longo dos anos, nossa romaria adquiriu respeito e é conhecida na basílica. A sensação de estar lá em lugar de destaque não tem palavras. É estonteante”, ressalta Eluf.

A cada ano, uma homenagem é prestada ao romeiro mais antigo da paróquia, aquele com pelo menos 15 anos de participação. O integrante reverenciado da vez desfila e, depois, é presenteado com a imagem da santa que carregou.

Em tempos de tecnologia, a romaria busca se modernizar para atrair os mais jovens e continuar duradoura em sua missão. “Exercemos um trabalho mais leve e adaptado aos tempos atuais, com recursos da internet. Se Deus quiser, meu filho e outros jovens devem comemorar o centenário da romaria daqui a 40 anos”, vislumbra o coordenador.

A irmandade dos devotos do pedaço não se limita só ao périplo de Aparecida. Em outubro, em comemoração ao aniversário de Nossa Senhora é promovido sempre um encontro com as famílias de todos os integrantes. Periodicamente, o grupo encampa outras ações solidárias. A mais recente ajudou a angariar roupas e alimentos para as vítimas das chuvas de Santa Catarina. E há os que, não só nesta época de fim de ano, distribuem presentes em favelas e comunidades carentes.

Sobre a curiosidade em saber por que a romaria da paróquia Santo Inácio de Loyola só possui homens, o próprio coordenador esclarece: “Antigamente, quando a romaria foi criada, os homens da época eram mais machistas, enquanto as mulheres eram mais caseiras, donas-de-casa. Por isso a conotação de romaria masculina. Decidimos então manter essa tradição. Mas, existe hoje por parte das esposas um respeito maior ao nosso grupo, já que nossos filhos também estão indo. Sem contar que no encontro das famílias no final do ano, as mulheres têm a oportunidade de conhecer com quem o marido viaja. Portanto, elas compreendem nossa seriedade religiosa e não há discórdia”.