Galeria a céu aberto

Até finais do século XIX, a região cortada entre a Praça das Bandeiras até a Rua do Itororó era o fundo de um vale que dividia os bairros da Liberdade e Bela Vista. Por isso, o início da futura Avenida 23 de Maio era conhecida como “Vale do Itororó”, uma referência ao córrego que nasce no bairro do Paraíso e que, então, corria a céu aberto até desaguar no Ribeirão do Anhangabaú.

Em 1900, a Rua Itororó servia para unir as chácaras da região, a maioria nas terras do Barão de Limeira. Foi a partir de 1915 que diversas ruas começaram a ser abertas, ligando a região da Rua Itororó ao Centro. A ideia de uma avenida radial surgiu na década de 20, mas entre seu planejamento e a entrega ao público passaram-se décadas, devido às inúmeras desapropriações e mudanças de prefeito.

Foi em 1928, através da Lei n.º 3.209, de 31 de julho, que o então prefeito J. Pires do Rio aprovou um projeto para a então “Av. Itororó”; assim começava a ser delineada a futura Av. 23 de Maio. Foi com o plano urbanístico do prefeito Júlio Prestes, na década de 30, que parte da Avenida Itororó saiu do papel, passando a ser conhecida como Av. Anhangabaú.

O nome definitivo — Avenida 23 de Maio — foi proposto em 1954, através do Projeto de Lei n.º 170/54. Na Justificativa, assinada pela maioria dos vereadores, destacava-se: “A grande data de 23 de maio de 1932, que marcou a reconquista da autonomia paulista em face da ditadura, ainda não tem na cidade a justa comemoração nas placas de uma rua, avenida ou praça. (…) A Avenida 23 de Maio ficará muito bem ao lado de sua irmã gêmea, a Avenida 9 de Julho, formando, com um vértice na Praça das Bandeiras, um “V”, que alto falará à alma paulista, simbolizando a vitória de São Paulo”. O projeto transformou-se na Lei n.º 4.473, de 22 de maio de 1954.

A construção se deu em etapas, e em 1967 cinco viadutos estavam concluídos: Dona Paulina -– filha do Barão de Limeira, Brigadeiro Luís Antônio, Jaceguai, Condessa de São Joaquim e Pedroso. Faltava o viaduto da Rua João Julião — perto do hospital da Beneficência Portuguesa —, o viaduto Santa Generosa — que tomou o lugar da Paróquia Santa Generosa — e o Tutoia — última parte da avenida que ligaria o Aeroporto de Congonhas ao Centro. Engenheiros projetaram a 23 de Maio como avenida expressa, evitando os cruzamentos de nível, aproveitando a topografia da região. A partir de 1969, a população já podia contar com uma avenida até o Parque Ibirapuera, com ligação à Avenida Rubem Berta, o que desafogou o trânsito da Avenida 9 de Julho.

A velha Itororó foi rebatizada de 23 de Maio em homenagem aos quatro estudantes de Direito, primeiras vítimas da Revolução de 32. Um ano depois, o Obelisco, monumento símbolo da Revolução Constitucionalista, que demorou duas décadas para ser inaugurado, integrou o conjunto da bela paisagem das obras de Niemeyer, no Parque Ibirapuera.

Os quarentões devem se lembrar da imensa caravela construída na década de 70, onde hoje é o Hotel Pullman. Foi construída para ser um restaurante, depois uma loja de construção, mas foi nos anos 80 que a caravela se tornou uma da mais badaladas casas noturnas da cidade, o Latitude 3001.

Em janeiro de 2004, a Av. 23 de Maio foi o palco das comemorações dos 450 anos da cidade de São Paulo. A festa contou com mais de 1 milhão de pessoas e uma parada com 31 carros alegóricos representando cada subprefeitura. A concentração foi na altura do Viaduto Tutoia, em meio às belezas da avenida.

A inauguração do Auditório Ibirapuera foi, também, em 2004, para completar o grupo de edifícios no Parque Ibirapuera — concebido originalmente pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1950. Ao lado da Oca e do Obelisco, era a forma que faltava no projeto.

Nesse mesmo ano, uma obra um tanto exótica na Rua Estela causou estranheza à vizinhança. Era o Imperatriz 23, que prometia ser o maior e mais luxuoso bingo da cidade. A edificação, de três andares, nos moldes dos cassinos de Las Vegas, trouxe à 23 de Maio a vista de uma deusa africana de 25 metros. O bingo não durou muito, tendo sido fechado em 2006, em razão do Decreto Municipal n.º 47.415/2006. Especulações sobre o que abrigará o amplo e luxuoso espaço sempre surgem: casa de show, buffet de luxo. Enquanto isso, a estátua gigante permanece ali, bem próxima ao mural de 1.000 m² criado pelo grafiteiro Eduardo Kobra de presente à cidade.

Desde 2009, o mural chama a atenção, pelas cenas cotidianas da São Paulo dos anos 20, propositalmente pintadas pelo artista para confrontar com o moderno prédio da IBM — inaugurado em 1977 como marco visual de expressão arquitetônica da cidade, e considerado até hoje um dos edifícios paulistanos mais imponentes e importantes.

Realmente, a 23 de Maio é uma avenida e tanto; ainda neste ano será endereço de outro importante patrimônio: o Museu de Arte Contemporânea — MAC. O fim da reforma do prédio do antigo DETRAN está previsto para junho, e o museu será aberto à visitação pública no segundo semestre. As novas instalações do MAC têm 34 mil metros quadrados de área, e mais 10 mil — externos — destinados a exposições. O processo de acomodação das obras será demorado porque o acervo possui cerca de 10 mil peças — atualmente espalhadas pela Bienal e pelo campus da Universidade de São Paulo.

Embora até 1970 esse pedaço da Vila Mariana tenha sido protegido pela falta de uma grande avenida, hoje a proximidade com a 23 de Maio serve de argumento para valorizar cada metro quadrado da região. É verdade que há congestionamentos, barulho e poluição, mas, do Paraíso ao Ibirapuera, a nobre 23 de Maio é um museu a céu aberto, e admirá-la do viaduto Tutoia é um privilégio!