E quem não ama?
Quando, há um mês, o publicitário Cacá Bloise e o ator Milton Levy, dois vilamarianenses da gema, com 60 anos de amigos e histórias para contar, decidiram criar uma página no Facebook para expressar todo o amor que sentem pelo bairro, não imaginavam o sucesso que a Vila Mariana Amo Você pudesse alcançar.
O grupo, em menos de um mês, ultrapassou a marca de 7 mil membros. “Sempre pensávamos em usar a internet para criar um espaço assim, em que os vizinhos pudessem se divertir. Tudo começou como uma brincadeira”, explica Cacá.
O espaço se tornou uma espécie de pracinha virtual, onde todos se encontram, se reencontram, compartilham histórias, fotos e declaram seu amor ao bairro. São registros históricos de antigas chácaras, fábricas, ruas, retratos de personagens, de amigos de infância, de famílias — lembranças guardadas no álbum de retratos. “Ficamos muito satisfeitos ao ver que as pessoas estão participando”, diz Levy.
Os membros do grupo são formados por moradores do bairro, muitos deles descendentes de famílias tradicionais, pessoas que aqui viveram e que sentem saudades, gente que hoje mora em outros países; amigos de longa data que fizeram a Vila Mariana Amo Você tornar-se uma alegria compartilhada entre vizinhos de todas as idades.
As publicações, em sua maioria, geram bate-papos, proporcionam reencontros de amigos perdidos no tempo, e ajudam a resgatar e a construir a história do bairro. “Ficamos surpreendidos em ver como a página abriu a possibilidade de reencontrar amigos de infância. Eles conversam, há muitos comentários. Esse espaço é uma sala de visitas, não há lugar para a solidão!”, constata Cacá.
Além das pesquisas históricas e de retirar do baú fotografias que resgatam e constroem a memória do bairro, os membros do grupo estão saindo às ruas para registrar as casas onde moravam, os monumentos arquitetônicos, destacar detalhes e instantes do bairro. “A gente anda por aí e percebe um outro olhar dos moradores”, observa Cacá.
Até o momento, o grupo conta com mais de 2 mil fotografias postadas, e os assuntos mais compartilhados são os bondes, os antigos casarões da Rua Domingos de Moraes, nosso querido colunista e barbeiro Seu Chiquinho, o homem do carro amarelo (alguém se lembra?), a construção da Avenida 23 de Maio, do Metrô e do Parque Ibirapuera.
Anfitriões do grupo, Cacá e Levy não perdem o pique; produzem vídeos, fazem pesquisas e relatam as suas histórias. À medida em que o grupo vai aumentando, Cacá faz uma brincadeira para comemorar: publica a foto de alguma personalidade segurando uma plaquinha com o número de pessoas que entram semanalmente no grupo do Facebook.
Tamanho astral, segundo eles, tem a ver com o DNA da Vila Mariana. “A nossa relação com o bairro sempre foi de alegria: amigos alegres, vizinhos alegres, brigas que acabaram em cerveja no boteco. Não fizemos um único inimigo [risos]”, garantem.
Outra pérola da página são os “causos” de Milton Levy. O ator, um comediante nato, conta em vídeos algumas histórias do bairro. Ao lado de Cacá, passeia pelas redondezas filmando pontos turísticos e personalidades, sempre com uma pitada de humor. O vídeo do Monumento às Bandeiras de Victor Brecheret é um deles, e o conhecido empurra-empurra, para quem assistiu a produção, nunca mais foi mesmo! “Demos nomes de amigos aos bandeirantes. Eu sou o que está montado em cima do Cacá, o cavalo”, diverte-se Levy, que estreia neste mês o espetáculo “De artista e louco todo mundo tem um pouco”, no teatro Bibi Ferreira.
Há publicações raras, como a de Ralph Mennucci Giesbrecht, que apresentou a Chácara Conceição, que começava na Rua Domingos de Moraes, onde hoje é o Colégio Madre Cabrini, e seguia abaixo pelo Córrego do Sapateiro. Construída pelo Conde Queirolo, foi adquirida, na década de 20, pela família Ribeiro Branco. As pesquisas feitas pelos membros trazem fotos preciosas, como as da construção e inauguração do Parque Ibirapuera; vídeos das ruas do bairro na década de 8O, postados por Paulino Tarraf, imagens do Ginásio Carlinda Ribeiro, memória das ex-alunas, entre outras, como a foto que ilustra nossa capa, do morador de rua chamado Bituca (ou Zé do Cavaquinho), registrada pela fotógrafa Julia Tarraf.
Desde a criação do grupo, Cacá e Levy deixaram claro que se tratava de um espaço de confraternização, proibindo publicidade e debates políticos. Mesmo assim, muitas pessoas insistiam em desviar o foco, o que obrigou os administradores a mudar o status do grupo de aberto para fechado. Isso deixou algumas pessoas indignadas, pois, sentido-se moradores do bairro, achavam que tinham o direito de anunciar seu comércio na página. Não tardou a surgir uma dissidência, o grupo “Vila Mariana Adoramos Você”. “Isso prova o sucesso da nossa página! Mas o foco do nosso grupo é o bairro, e não podemos nos distanciar dele, pois é um espaço para pessoas físicas”, argumenta Cacá.
O popstar da página é o Seu Chiquinho, de 98 anos, que desde os 12, isso em 1929, é barbeiro no pedaço. “Uma lenda viva”, considera, Levy. Aos 98 anos de idade, seu Chiquinho recorda que a Vila Mariana sempre teve boa vizinhança. “Um ajudava o outro, gostávamos de festas, de conversar à noite sentados na calçada, embaixo do lampião a gás. Já cortei cabelo de cinco gerações, e as pessoas daqui sempre foram alegres!”, confirma Seu Chiquinho.
“O sucesso do grupo é ele mostrar esse amor pelo bairro de maneira espontânea”, diz Cacá. Em tempos em que a convivência social está cada vez mais limitada por falta de tempo e espaço, a Vila Mariana Amo Você abre um canal para resgatar não só as memórias e a tradição do bairro, mas aquela relação de vizinhança, com papos animados e muito calor humano!