Direto da horta!

A ampliação das hortas comunitárias no espaço urbano abre a possibilidade de consumir alimentos orgânicos de qualidade produzidos localmente, além de ser um lugar de aprendizado, de convivência e troca de saberes. Aqui, no distrito da Vila Mariana, alguns projetos estão a pleno vapor e, com a ajuda dos moradores, transformaram espaços degradados em áreas produtivas e deixaram a vida do entorno mais saudável e saborosa!

Há pouco mais de dois anos, uma pequena área pública da Rua Paracatu, 66, ao final da Rua Uvaias, no bairro da Saúde, encontrava-se abandonada e era frequentada por usuários de drogas. Hoje, o local continua sendo muito frequentado, mas a busca ali agora é outra, graças aos moradores do entorno que se uniram e transformaram o terreno na Horta Comunitária da Saúde, referência para iniciativas semelhantes na capital.

Uma prática muito aplicada no início do proces-so de urbanização da cidade — quando terrenos foram cedidos para as famílias produzirem seus próprios alimentos —, as hortas urbanas têm sido retomadas na capital e vêm se ampliando cada vez mais na região da Vila Mariana.

Responsável pela horta comunitária da Saúde, Ségio Shigeeda conta que ela foi implantada no final de 2013. “O local era perigoso, tomado por mato e lixo e era usado como ponto de comércio de drogas. A ideia de fazer uma horta partiu de duas jovens. Eu assumi a tarefa e consegui uma autorização da subprefeitura VM para que nós, moradores, pudéssemos revitalizar a área”.

O primeiro passo para a implantação da horta foi solicitar um estudo do solo. “Quando pensamos em fazer a horta, estávamos preocupados com a contaminação, pois tem um posto de gasolina a 100m do local. Fizemos uma vaquinha e pedimos uma análise. O resultado foi bom. A terra estava apenas com pobreza de nutrientes, o que é normal”. Para cada componente analisado o custo é de 50 reais. “Uma boa análise fica em torno de 500 reais”, informa.

Sérgio cultiva uma horta toda orgânica, um trabalho realizado de modo sustentável. “Conseguimos doações de madeira, caixas d’água para captar água da chuva, montamos um minhocário para gerar chorume, adubo líquido, adubamos a terra com folhagem e galhos que coletamos dos condomínios vizinhos. Rapidamente o solo ficou rico em nutrientes e começou a atrair minhocas, tatus… Também instalamos apiários e ervas para proteger a horta das pragas. É um trabalho educacional, objetivando o equilíbrio do ecossistema da horta”.

Hoje, o antigo terreno baldio conta com mais de 10 canteiros, protegidos por uma barreira de árvores em suas extremidades. “Cercamos a horta para proteger da poluição. Temos de tudo aqui: rúcula, alface, almeirão, couve, tomate, pimenta doce japonesa, maracujá, hortelã, banana, abóbora, melancia, muitas plantas, chuchu negro, morango, muitos temperos, taioba, e criamos um canteiro para as crianças”, explica ele. 

A manutenção da Horta Comunitária da Saúde é realizada por 20 moradores. “No segundo domingo de cada mês, realizamos um mutirão para fazer os trabalhos mais pesados, como limpeza dos canteiros, mas muitas pessoas vêm durante a semana. Temos uma escala semanal e todos ajudam e estão adorando participar. Todos têm acesso à horta e diariamente vem gente buscar algo aqui”, diz.

Ao longo desses dois anos de existência, o aprendizado de novas técnicas de cultivo tem sido constante. “Estamos sempre aprendendo, isso é ótimo. A troca de informações sobre cultivo é constante. Sempre alguém aparece com alguma novidade para melhorar o ecossistema da horta. Além de encontros com outros ‘horteleiros’ da cidade, fazemos trocas de sementes, e trazemos especialistas aqui para falar sobre as hortas urbanas”, diz.

Sérgio conta que a horta tem atraído pessoas de todas as partes do mundo. “Muitos estrangeiros vem conhecer nosso processo de trabalho”. A horta também é tema de muitos trabalhos de alunos da Unicamp e da USP. “Fizemos uma parceria com a Faculdade de Medicina da USP para medir a poluição do ar na horta. Nossa horta já foi tema de uma tese de doutorado apresentada em Harvard!” 

Há dois anos, os moradores do entorno da Rua Machado de Assis também se uniram e implantaram uma pequena horta na Praça Rosa Alves da Silva. “A horta foi criada em uma parte que estava tomada por mato e que não era frequentada. Ela ainda é pequena, com três canteiros. Estamos naquele processo de aprendizagem para podermos ampliá-la”, diz Thomas Schrijnemaekers, um dos responsáveis pela manutenção da horta.

Segundo Thomas, hoje são alguns moradores que se revezam para cuidar da Horta da Machado. “Está sendo difícil, temos pouca gente e não dispomos de um sistema de irrigação. Levamos água de casa para irrigar. Mas estamos trocando informação com outras hortas da região para melhorarmos a nossa”, afirma. Os moradores do entorno gostaram da iniciativa. 

A primeira horta comunitária da região foi criada em 2011, no terraço verde do Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, 1000, a partir de mudas e materiais cedidos pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Ela resultou de uma parceria entre o CCSP e a rede Hortelões Urbanos, grupo que reúne pessoas interessadas em trocar experiências sobre plantio orgânico doméstico de alimentos e formação de hortas comunitárias. 

Aqui no pedaço, uma tentativa de criar uma horta comunitária da Vila Mariana foi realizada na Rua Morgado de Mateus, ao lado Hostel Uvaia.  Foram plantadas algumas plantas e verduras em vasos de concreto. De acordo com um funcionário do Hostel, hoje ela está abandonada. “O hostel cuidava dela, mas depois que trocou a administração, nunca mais vi ninguém cuidar. Queremos retomar”, disse.

Hortas e Jardins dentro de casa

O número de pessoas aderindo às hortas e jardins dentro de casa também tem aumentado bastante. Em novembro de 2015, Letícia Momesso, idealizadora e criadora do Peperômia, ministrou um curso online pela plataforma eduK sobre Hortas para Pequenos Espaços e se surpreendeu com as mais de 2 mil pessoas assistindo ao vivo. 

Letícia Momesso conta que tudo começou em um muro em frente à sua casa. “Todos os dias eu saía e me deparava com aquele muro, achava muito depressivo e sem vida. Então comecei a colocar plantas nele e não parei mais. Viver próximo das plantas muda tudo, a qualidade do ar, o nosso humor, a nossa alimentação e a nossa saúde”. 

Em casa, ela começou a plantar mostarda, alface, rabanete e fez uma mistura de horta com jardim, o que resultou na Peperômia, um espaço centralizador de informações sobre cultivo em pequenos espaços. 

“As pessoas estão querendo cada vez mais implantar hortas e jardins dentro de casa, isso é muito bom. É muito bom ver que as pessoas estão aderindo ao verde em suas casas, que estão mudando seus hábitos e tornando-se mais felizes”, comemora a vizinha.

Além de bem estar e melhoria na saúde, muitos estudos comparavam a queda no índice de criminalidade em áreas transformadas em espaços verdes. Essa revitalização dos espaços tem sido importante, diz Letícia: “Tenho achado incrível que as hortas comunitárias estão se multiplicando na cidade e revitalizando espaços ociosos”, completa. 

Para Lara Freitas, integrante do Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES) e do Ecobairro, essas iniciativas são importantes para repensar a alimentação. “As hortas e o resgate da cultura do plantio nos dão a possibilidade de consumir alimentos orgânicos de qualidade produzidos localmente, o que ajuda a reduzir o rastro de carbono durante o transporte dos alimentos, que percorrem 1.000, 2.000 km ou mais”. E conclui: “Essa ampliação irá ajudar na riqueza nutricional através da variedade de espécies, como as plantas alimentícias não convencionais”.

Letícia Momesso ensina o passo a passo de como fazer o Menor Jardim do Mundo, acesse:  http://peperomiaurbana.com.br/pedacodavila