Descompasso

Em quase 15 anos de jornal Pedaço da Vila, um assunto recorrente, e ainda sem solução, é a má conservação das calçadas do bairro. São inúmeras as reclamações que chegam à redação sobre o assunto e é só conversar com a vizinhança para conhecer uma nova história envolvendo acidentes nas vias de passeio.

No dia 15 de maio, o prefeito Fernando Haddad anunciou um programa que prevê a construção de 1 milhão de m² de novas calçadas na capital, até o final de 2016. No programa, a Vila Mariana receberá 31.500 m², dispondo de toda acessibilidade e segurança para os pedestres. As ruas e avenidas do bairro que serão reformadas ainda não foram definidas pela Subprefeitura VM, que aguarda apenas a orientação oficial da prefeitura para dar início aos trabalhos de mapeamento das vias que apresentam irregu-laridades e oferecem riscos à população.

As mudanças e melhorias feitas no bairro nos últimos anos, como a nova calçada da Rua Domingos de Moraes, por exemplo, estão longe de atender às necessidades dos moradores. Ir e vir com segurança continua sendo um dos principais desafios para muitos idosos, cegos, cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida e desatentos nos celulares.

Calçadas estreitas, desniveladas e esburacadas, raízes de árvores bloqueando a passagem e bancas de jornal instaladas em locais inadequados —  entre outros percalços — têm dificultado a circulação dos pedestres e transformado, por muitas vezes, um pequeno trajeto em um caminho repleto de armadilhas. Muitos moradores do bairro já se acidentaram e até morreram devido a tombos pelo calçamento.

Quando deixa a sua residência, na Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, a tradutora Diana Sabbag, 34, cadeirante, sabe que, dali em diante, todo cuidado é pouco. Ela conta que já passou por muitos apuros ao se locomover pelas ruas do bairro. “Não foram poucas as vezes em que eu caí da cadeira de rodas por conta de buracos no meio do caminho. O caso mais sério ocorreu há três anos, quando tombei num buraco deixado aberto pela Sabesp. A minha saúde se agravou e quase morri”, recorda.

De acordo com Diana, os buracos são os principais obstáculos enfrentados pelo cadeirante. E a sua constatação é reforçada pelo ator Emerson Almeida, 28: “Minha maior preocupação sempre foi com os buracos, pois são muitos! A minha cadeira vive quebrando, e quando isso acontece preciso ligar para a minha mãe vir me buscar. A acessibilidade para quem tem a mobilidade reduzida tem de melhorar muito ainda”.

A Vila Mariana abriga inúmeras instituições assistenciais, o que torna mais urgente a solução do problema. “São muitas as pessoas com a mobilidade reduzida, com deficiências, que frequentam, por exemplo, a Fundação Dorina Nowill, para cegos, a Associação de Assistência à Criança com Deficiência (AACD)…  Isso demonstra a necessidade de calçadas adequadas para que todos possam transitar. Hoje, o que vemos são calçamentos em péssimo estado!”, constata Diana.

A vizinha também se mostra muito preocupada com os idosos. “Muitos caem,  pois a bengala ou a muleta acaba enroscando nos buracos; outros tropeçam em pedras soltas e muitas vezes são regatados por ambulâncias. Todos nós, um dia, seremos idosos também. Isso quer dizer que quem não cuida de sua calçada não está cuidando de seu próprio futuro”, prevê Diana.

Dona Yolanda Barros, 74, que se locomove com o auxílio de uma bengala, diz que as calçadas estão muito ruins para os idosos. “Eu sempre tomei muito cuidado, mas agora, com a bengala, a atenção precisa ser redobrada; as calçadas não oferecem segurança.” O perigo é grande. “Há muitos casos de idosos que tropeçam nos buracos, falta muito ainda para termos um calçamento adequado. É uma necessidade prioritária, pois o número de idosos só vai aumentar”, alerta.

Tornar as calçadas mais acessíveis e seguras é um pequeno passo que vai solucionar um grande problema, diz Yolanda. E completa: “A Vila Mariana precisa ser um exemplo para os demais bairros de São Paulo, e, para que isso ocorra, é preciso que todos os moradores participem desse debate, façam a sua parte, não podemos ficar apenas esperando do poder público”.

Em um passeio pelo bairro, são identificados diferentes problemas pelas calçadas. Vias de grande circulação, como a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves e as ruas Joaquim Távora e França Pinto, por exemplo, possuem caminhos repletos de desníveis e buracos. Já nas esquinas das ruas Joaquim Távora e Rio Grande, onde existem faixas de travessia para pedestres, não há rampas de acesso para cadeirantes.

A Subprefeitura da Vila Mariana informou que desde o início deste ano foram executados 2 mil m² de novos passeios no bairro. Quanto aos passeios em frente a imóveis particulares, a execução e manutenção da calçada são de responsabilidade do proprietário. A construção de rampas de acessibilidade com piso tátil, em cruzamentos de vias que possuem faixas de pedestres, é executada por equipes terceirizadas que já entregaram cerca de 200 unidades na região.

As principais reclamações da população que chegam à subprefeitura VM sobre calçadas são, na maioria das vezes, sobre as intervenções de concessionárias de serviços públicos, que não repõem adequadamente os passeios onde executaram os seus serviços. Todas as queixas são encaminhadas para que a fiscalização solicite providência das concessionárias. A orientação é para que as reclamações sejam feitas na Praça de Atendimento da Subprefeitura VM (Rua José Magalhães, n.º 500).

LEGISLAÇÃO

De acordo com a lei municipal de calçadas, de 2012, e alterada em 2013, a construção de novo calçamento e os reparos necessários devem ser realizados pelos proprietários dos imóveis pertencentes às áreas onde a via está irregular, deixando-o em perfeito estado para a circulação dos pedestres e respeitando a largura mínima de circulação, que é de 1,20 m.

A lei ainda determina que, após receber a notificação para fazer a reforma, o proprietário tem o prazo de 60 dias para cumpri-la. Se ao final do prazo estabelecido os problemas não forem resolvidos, ele terá de arcar com multa no valor de R$ 300 por metro linear de calçada. A não realização da obra por parte do proprietário, porém, não o torna isento de arcar com as despesas de sua reforma. A prefeitura fará as obras necessárias e repassará todos os custos ao munícipe. 

No entanto, a fiscalização é deficitária, o que se soma à falta de envolvimento da população, que não exige da subprefeitura medidas mais drásticas para resolver o problema. E a cada ano, o que vemos são calçadas cada vez mais danificadas — salvo as dos novos empreendimentos.

PRIMEIRO PASSO

Para melhorar o trânsito da população e deixar todas as calçadas acessíveis e seguras, a Associação dos Moradores e Amigos de Moema (AMAM) lançou, no mês de abril, o Plano de Mobilidade para Pedestres, um trabalho realizado em parceria entre moradores, Subprefeitura e CET.

A primeira etapa do programa foi realizada nodia 15 de abril, quando os moradores foram às ruas para fotografar todas as irregularidades. “Os dados coletados podem ser consultados em um aplicativo de celular chamado Monitorando a Cidade”, diz o presidente da associação e Conselheiro Participativo Municipal, José Roosevelt Junior. “Nesse primeiro passeio conseguimos mapear ¼ do bairro, apontando os locais onde existem guias sem rebaixamento, problemas com árvores, bancas de jornal avançando sobre o espaço destinado aos pedestres… Tudo relacionado à locomoção dos moradores foi registrado”, explica.

Ao final do mapeamento, a Associação dos Moradores encaminhará uma carta ao proprietário ressaltando a importância de fazer o reparo em sua calçada. “A ideia é de que seja algo consciente, pensando no bem de todos, e que todos ajudem, moradores e comerciantes. Mas se os problemas não forem resolvidos, uma segunda notificação será encaminhada, agora pela Subprefeitura, e, se mesmo assim, as irregularidades persistirem, o proprietário será multado”, explica Junior.

O vizinho Miguel De La Rosa não esperou chegar nenhuma notificação para perceber que a calçada em frente ao seu imóvel, na Rua Pirapora, 73, não estava adequada para o trânsito dos pedestres, e resolveu tomar a iniciativa e construir um novo calçamento. “Fiz uma calçada nova em respeito a mim, que tenho 74 anos, e aos demais pedestres que precisam se locomover com segurança; ela ficou acessível e bonita. Ficou ótima! Se queremos uma calçada melhor no bairro, então vamos dar o exemplo; foi o que eu fiz e incentivei os meus vizinhos a fazerem o mesmo”, comemora De La Rosa.

MUTIRÃO

A notícia de que a Vila Mariana receberá 31.500 m² de novas calçadas traz uma luz no fim do túnel, uma pedra a menos no caminho e projeções de menos acidentes. O grande passo é aproveitar o programa da Prefeitura para promover a revitalização de nossas calçadas, informando à subprefeitura quais os pontos mais críticos. Com o celular é fácil fotografar! Envie para p.davila@terra.com.br, com o número (altura) e nome da rua. A informação será encaminhada à Subprefeitura VM — que não iniciou o mapeamento solicitado pela Prefeitura. Afinal, todo mundo torce para ter uma vida longa e tranquila, passeando com segurança pelo bairro!