Censurado pela Justiça
Em meio aos panelaços, com total liberdade de expressão para a população ir às ruas mostrar seu descontentamento com a política brasileira, a seção Em Tempo destaca que neste mês de março faz 2 anos que Ricardo Fraga está censurado pela Justiça, proibido de fazer menção e postar fotos na internet sobre o imenso condomínio construído na Av. Cons. Rodrigues Alves, além de não poder se aproximar dele.
No dia 6 de março de 2013, o engenheiro agrônomo e advogado Ricardo Fraga Oliveira, membro do Conselho Participativo da Vila Mariana, foi proibido pela Justiça de São Paulo de protestar num raio de 1 km do empreendimento Ibirapuera Boulevard, complexo de três torres de 27 andares e 750 vagas de garagem, erguido pela construtora Mofarrej na Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 534, antigo terreno da fábrica de Ceras Record.
Além da restrição física, Ricardo também ficou impedido de fazer qualquer menção sobre a obra e a construtora na internet, e teve que excluir as postagens sobre o assunto. O descumprimento da determinação implica em uma multa diária no valor de 10 mil reais.
A ação se deu por conta da intervenção coletiva “O Outro Lado do Muro”, idealizada e liderada por ele entre julho de 2011 e fevereiro de 2013. Tentando proteger o terreno de 10 mil m², Ricardo convidava as pessoas a desenhar numa lousa branca o que gostariam de ver naquele pedaço de terra. Depois tirava uma foto do desenho e pendurava as imagens no ‘Varal dos Desejos’.
Segundo Fraga, o objetivo da intervenção era promover uma reflexão sobre a cidade, os impactos provocados pela verticalização desenfreada e o uso de seus espaços visando a qualidade de vida de seus moradores. Iniciada de maneira solitária, a intervenção rapidamente conquistou o apoio dos morado-res, e a mobilização ganhou força após relatos de que o córrego Boa Vista cruzava o terreno: a existência do córrego pressupõe um limite da área de 30 m a ser protegido, de acordo com o Código Florestal.
Paralelamente às ações em frente ao terreno, uma página foi criada no facebook para ampliar o debate sobre o tema e alavancou um abaixo-assinado contra o empreendimento, que reuniu 5 mil assinaturas. A mobilização conseguiu suspender por duas vezes o alvará da obra, que foi retomado; hoje ela está quase finalizada.
O barulho na época incomodou a construtora, que moveu a ação contra Fraga. A petição foi julgada em 24 horas. No documento, os advogados da construtora, Marcelo Terra e Danilo Magnane Santis, relataram que “o direito de expressão do réu encontra limites no direito de propriedade e livre iniciativa da autora (Mofarrej)”. De acordo com eles, Ricardo Fraga estava causando prejuízos econômicos à construtora.
Na tarde de sexta-feira (6) deste mês, outra manifestação foi realizada em frente ao condomínio, em defesa da liberdade de expressão de Ricardo Fraga. “O apoio do Artigo 19 está sendo muito importante, pois é uma ONG internacional que defende a livre manifestação, a liberdade de expressão e a transparência das informações, justamente o que o movimento O Outro Lado do Muro fazia.”
Para a advogada Camila Marques, da ONG Artigo 19, a censura online imposta a Fraga é um caso inédito no país. “Existem outros casos de restrição digital, como a retirada de conteúdo específico, mas o caso dele se diferencia dos demais por se tratar de uma censura de protesto online. Esse é um dos primeiros casos dessa natureza no país. E isso é muito perigoso porque abre um precedente no próprio sistema de justiça para que outras decisões semelhantes venham a acontecer. A liberdade de se expressar nas redes sociais pode ser atingida por esse tipo de decisão”, alerta a advogada.
A decisão desconsiderou completamente um direito fundamental, que é o da liberdade de expressão, previsto na Constituição Federal. “No momento em que a construtora alega que o direito de propriedade está sendo prejudicado, o juiz deve colocar os dois direitos numa balança, o direito da liberdade de ex-pressão e o direito alegado pela construtora, e então equacionar para ver se o Ricardo estava ou não causando danos. A causa defendida era muito maior do que o direito individual, pois não se tratava de uma discussão isolada, era pública. Todos esses fatores deveriam ser levados em consideração, e não foi o que aconteceu”, explica Camila. “A decisão foi tomada sem que eu pudesse relatar a minha parte da história”, destaca Fraga.
Em maio de 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a censura, alterando apenas a restrição física: deixando de ser de 1 km para ser de um quarteirão. Mas, em setembro de 2014, o juiz de primeira instância decidiu alterar novamente para 1 km. Fraga recorreu da decisão e aguarda um novo julgamento — que pode levar anos.
Embora o destino do terreno não tenha sido nenhum daqueles desenhados pelos moradores durante a intervenção, Fraga se diz satisfeito com o resultado da intervenção. “Ela cumpriu seu papel: mobilizar os moradores para refletir sobre a cidade, sobre o meio ambiente, sobre a ocupação dos espaços. Além disso, outros movimentos surgiram, como o ‘Redes Novos Parques SP’, que defende o uso adequado dos espaços”.
Quanto à imposição do silêncio e a ter a liberdade de se expressar proibida, a sensação de Fraga é outra: “Essa censura é uma ferida que não cicatrizou”.