Bom pra quem?

As associações de bairro tomaram um susto ao mesmo tempo em que as construturas e os fundos imobiliários se sentiram agraciadas com a proposta de alterações na Lei de Zoneamento, apresentada no dia 31 de outubro pelo prefeito Bruno Covas — PL no 16402/2016 do Parcelamento do Uso e Ocupação do Solo (LPUOS).

Conforme a Lei, a cidade foi dividida em três grandes eixos: Territórios de Transformação, onde se promove o adensamento construtivo — podendo chegar a ser construído quatro vezes a área do terreno — e populacional, das atividades econômicas e dos serviços públicos, a diversificação de atividades e a qualificação paisagística dos espaços públicos de forma a adequar o uso do solo à oferta de transporte público coletivo de massa (metrô, trem e ônibus); Territórios de Qualificação são áreas em que se objetiva a manutenção de usos não residenciais existentes — zonas de Centralidade (ZC) e Zona Mista (ZM) — para o fomento de atividades produtivas, de diversificação de usos ou de adensamento populacional moderado, a depender das diferentes localidades que constituem estes territórios. E Territórios de Preservação que são áreas em que se objetiva a preservação de bairros consolidados de baixa e média densidades, de conjuntos urbanos específicos e territórios destinados à promoção de atividades econômicas sustentáveis conjugada com a preservação ambientale cultural.

A minuta do projeto permitirá uma maior verticalização nos Territórios de Qualificação, justamente nas áreas de controle de gabarito moderado pelo Lei. Nas Zonas de Centralidade (ZC), a altura do gabarito passaria de 48m para 60m — prédios com 18 a 20 andares. Nas Zonas Mistas (nos miolos dos bairros), o gabarito de altura que é de 28m passaria a ser de 48m — de 14 andares, onde hoje só é permitido 9 andares.  “O que põe por terra o conceito do Plano Diretor Estratégico de concentrar edifícios altos onde tem transporte coletivo de massa e manter o resto da cidade com edifícios mais baixos”, explica Lucila Lacreta, diretora executiva do Movimento Defenda São Paulo, uma entidade que reúne as associações de bairro da cidade. 

Há ainda um novo “ajuste” para as vilas, onde a faixa envoltória de 20 metros seria extinguida, podendo a quem comprar todas as casas, adquirir também a via pública (patrimônio municipal) além de permitir o remembramento de lotes internos  externos da vila — o que hoje é proibido. 

Vale ressaltar que há estudos mostrando que a excessiva verticalização impede a circulação do ar entre os prédios, concentrando e retendo no nível das calçadas ainda mais poluentes com isso impedindo a sua dispersão, com agravante de provocar as “ilhas de calor” urbanas. 

A Lei de Zoneamento de 2016 estabeleceu que empreendimentos residenciais localizados perto de estações de metrô e corredores de ônibus teriam uma vaga a cada 60 m² nas unidades habitacionais. Com isso, os apartamentos de 120 m² nesses corredores poderiam ter dois espaços de estacionamento. Essa regra valia até março de 2019; a partir daí, as unidades habitacionais nesses eixos só poderiam ter uma vaga, independentemente da metragem. Com a nova proposta será permitido que um edifício residencial tenha uma vaga por unidade ou uma vaga a cada 60 m² de área computável. O que atrairia mais automóveis para áreas onde o Plano Diretor pretende o uso de transporte de massa. 

Ainda houve outra mudança pedida pelo Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP): a redução de 30% dos valores da contrapartida paga pelas construtoras para construir acima do limite previsto no zoneamento, a chamada outorga onerosa. Segundo a minuta, a prefeitura não fará essa alteração — desagradando, pelo menos nisso, as construtoras.

A realidade é que se a LPUOS, votada em 2016, já não era boa para o nosso pedaço da Vila Mariana, margeado pelos eixos de Estruturação e Transformação, justamnte onde está liberado prédios altíssimos em grandes avenidas com estações de Metrô e corredores de ônibus. As alterações propostas não leva em conta os territórios com características de miolo de bairro. O que sobrou como Zona Msta estaria ameaçado com mais verticalização de prédios altíssimos como o que está sendo concluído na Humberto I, 193 (liberado por estar no raio de 800 metros do metrô).

As alterações que, segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, serão levadas à Câmara Municipal ainda neste ano, deixaram as associações de bairro em polvorosa.

Segundo Lucila Lacreta, a proposta privilegia interesses dos Fundos Imobiliários que precisam remunerar suas aplicações com liberdade para construir o que seria mais rentável sem as ‘amarras’ do zoneamento, alterando índices (gabarito), fato proibido pela atual legislação.

Para discutir esses pontos com a prefeitura, o Movimento Defenda São Paulo, acompanhado da Associação de Moradores da Vila Mariana – AVM e de outras associações de bairro, reuniu-se no último dia 12, com o secretário do governo municipal Orlando Freitas e com o secretário de desenvolvimento urbano Fernando Chucre para reafirmar que não está de acordo com a mudança da Lei de Zoneamento proposta. Na oportunidade um Manifesto contra a minuta foi entregue ao prefeito afirmando: “As  organizações da sociedade civil abaixo-assinadas, no exercício da cidadania, que representam dezenas de entidades de bairros atuantes por toda a cidade, entre outras, com tradição na luta pela promoção de políticas públicas para o justo ordenamento urbano e na defesa do meio ambiente, têm acompanhado com muita atenção e preocupação as notícias sobre o envio por parte da administração municipal deste Projeto de Lei à Câmara dos Vereadores com a finalidade de alterar a Lei de Zoneamento vigente, vem afirmar nesta CARTA ABERTA que, esta revisão não atende aos anseios da população que vive em São Paulo.”

De acordo com Lacreta o Poder Executivo Municipal nesta revisão permite o avanço da verticalização e do adensamento sobre áreas até agora protegidas com gabaritos restritos de altura, quebrando a lógica do bom planejamento urbano, agravando a situação de saudabilidade do ambiente urbano e da permanência agradável das pessoas na cidade” — a relação de vizinhaça. E continua: “A alteração das características de uso e ocupação do solo nas Zonas Especiais de Urbanização (ZEUs), com índices maximizados de aproveitamento dos lotes, já está mostrando seus efeitos deletérios nos bairros. São enormes construções, desproporcionais aos lotes, quadras e regiões onde se inserem, E o que é pior: sem perspectivas de correção destas nefastas distorções e impactos sobre os bairros adjacentes”.

Os secretários, durante a reunião na prefeitura, escutaram as associações presentes e a advogada do Defenda São Paulo, Renata Esteves. Entretanto, mostraram-se irredutíveis, sem apresentarar argumentos pertinentes para esses ajustes.

Não levaram em conta nem esmo os Planos Regionais, elaborados pelos conselhos participativos de cada subprefeitura — e que se encontram publicados no site da Prefeitura. 

Coube às associações de bairro entrarem com um manifesto de apoio ao Movimento Defenda São Paulo como “amicus curiae” num processo aberto pelo  Ministério Público ( Ação Civil Pública (no 1012986-77.2018.8.26.0053, ajuizada no dia 15 de março de 2018)  contra a revisão da Lei de Zoneamento já na 1a minuta, e reiterando os vícios dessa 2a minuta de 2019. 

No dia 19 último, a Justiça de São Paulo suspendeu temporariamente o processo de alteração da Lei de Zoneamento, atendendo ao pedido das associações, com o apoio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, da União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo. A decisão, assinada pelo juiz Josué Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara da Fazenda Pública destaca que: “O prosseguimento da tramitação do processo de alteração da Lei de Zoneamento seria temerário, diante do risco que adviria de eventual reconhecimento a posteriori de vício formal, o que acarretaria a nulidade dos atos praticados”. 

A prefeitura tem 15 dias para recorrer e provar que apresentou estudos para promover esses ajustes e que houve ampla participaçãp popular no processo. A briga não para por aqui!

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