Black Music

Quando esteve no Brasil pela primeira vez, em uma visita religiosa, na década de 1960, o artista angolano Fernando Mukulukusso ficou encantado com o que viu. O retorno a Luena, sua cidade natal, ocorreu somente para arrumar as malas e se despedir dos amigos e familiares; pois a partir daquele momento sua vida estava ligada à cidade de São Paulo. “Costumo dizer que metade de mim é brasileira e a outra é angolana.” 

Foi em São Paulo que Fernando se tornou um dos principais propagadores da Black Music norte-americana; primeiro organizando festivais, como o Black So’Dream Festival, no bairro da Liberdade, para mais tarde fundar a Academia Brasileira de Música Black (ABBM), localizada aqui no pedaço e tida como uma fábrica de novos talentos do gênero. 

De acordo com Fernando, presidente da ABBM, “ela é uma instituição cultural que trabalha há mais de dez anos para promover a música negra e conta com parcerias com órgãos públicos, como a Prefeitura de São Paulo, a Secretaria de Estado da Cultura e ONGs, participando sempre de questões relacionadas à inclusão e ao desenvolvimento da cultura Black no Brasil e no exterior”. 

Na academia, ele ressalta o importante papel realizado pela High Music School, vértice da instituição que surgiu para possibilitar a realização de cursos técnicos profissionalizantes, tornando-se referência na preparação de alunos que desejam se aventurar em disputas de reality shows e bancas acadêmicas. 

Da Academia Brasileira de Música Black saíram cantores que caíram nas graças do público, como o grupo gospel Raiz Coral, um dos destaques do programa Qual é o Seu Talento, exibido pelo SBT; Art Pela, que participantou de outra versão do programa Perceptol, ganhador do quadro Se Vira Nos 30, do Domingão do Faustão e Vanessa Jackson, vencedora do programa Fama.

Além dos novos talentos revelados pela escola, a lista de artistas consagrados que já tiveram seus trabalhos produzidos sob os cuidados de Fernando é extensa. Entre outros, figuram nomes como Ed Motta, Sandra de Sá, Banda Black Rio, Fat Family, Paula Lima e a própria Vanessa Jackson. 

Em um mercado cada vez mais disputado, Fernando busca novas maneiras para aprimorar seus alunos. Uma delas é a troca de experiências entre os artistas. “Nossa filosofia afro-americana segue a linha pedagógica denominada Construtivismo, que, de forma geral, permite a convivência com outros profissionais do mercado. Sobreviver de música no Brasil é muito difícil, mas esse cenário tem sido revertido graças à safra de artistas norte-americanos que tem vindo ao país, o que tem despertado o interesse do mercado brasileiro pela Música Black”, alerta.

Na Trilha da Black Music 

Nascida nos Estados Unidos com os escravos negros, a Black Music  surgiu como um canto de liberdade e alento aos trabalhadores. “Para amenizar os sofrimentos que lhes eram impostos, os escravos encontraram na música uma espécie de escape à dura realidade. As cantorias desse período ficaram conhecidas como work songs, canções de trabalho”, explica. 

Era em reuniões que os escravos aprimoravam as composições e os ritmos, o que motivou a desconfiança de seus proprietários, imaginando que por trás daquelas confraternizações se escondia um plano de revolta. E, como medida para conter uma provável rebelião, a comunidade branca deu início ao processo de evangelização dos negros, nascendo, dessa forma, o elemento religioso tão marcante na história do gênero. 

Excluídos de qualquer possibilidade de aprender a tocar um instrumento que não os artesanais, feitos por eles mesmos, foi somente mais tarde, após ser sancionada a Lei de Abolição na Inglaterra, que os negros entraram em contato com a música instrumental e aprenderam a dominar, entre outros instrumentos, o piano, a guitarra e o violão, que até então eram restritos apenas aos brancos. 

Dessa forma, o caminho ficou mais propício para o surgimento de novos ritmos, que evidenciavam desde o aspecto melancólico ao mais alegre, ambos presentes na musicalidade Black, como conta Fernando: “Como a maioria dos norte-americanos é protestante, primeiro nasceu a música Gospel, que depois se ramificou em outros estilos, como o Blues, que daria origem ao Jazz, e assim por diante”. 

Foi só depois que chegou a Soul Music, cujo elemento central estava ligado à sensualidade da mulher, e que, com o passar do tempo, incorporou novos aspectos. “Soul Music significa, ao pé da letra, ‘música da alma’, pois ela é cantada com muita emoção e sentimento”, observa Fernando. 

No entanto, o estilo que mais conseguiu representar essa união entre a musicalidade negra e a branca, segundo o vizinho, foi o Jazz. “Ele carrega a união da melancolia negra, expressada pela voz, e o instrumento do branco. Especialistas costumam afirmar que a essência do Jazz é a união entre a cultura negra e a branca”, constata. 

A pluralidade alcançada pela Música Black a torna, segundo Fernando, complexa e difícil de definir: “Enquanto a Black Music é um gênero musical, o Jazz, o Blues, a Soul Music, entre outros, são estilos. A Black Music é a mãe de todo o conjunto de músicas negras americanas e de todos os estilos”, ensina. 

O momento de grande repercussão da Black Music se deu nas décadas de 1950 e 1960, com o surgimento da Motown, gravadora norte-americana que ficou famosa por lançar inúmeros artistas negros. Na Soul Music, destacou-se a figura celebrada de James Brown, na década 1970, e de sua inventividade nasceu o estilo denominado Funk. 

Entre os represen-tantes dos mais variados estilos que nasceram da Música Black, Fernando cita: “Aretha Franklin, considerada a mãe da Soul Music; Mahalia Jackson, ícone da música Gospel; Miles Davis, gênio do Jazz; e B. B. King, tido como o rei do Blues”.

Black Music Brasileira 

Embora não tenha conquistado tanta visibilidade como nos Estados Unidos, no Brasil surgiram grandes representantes do gênero. Dentre eles, Fernando cita a figura de Tim Maia: “Foi ele quem trouxe a Black Music para o Brasil. Ele foi pioneiro, e não é à toa que é considerado o pai da Soul Music brasileira”. E acrescenta: “Se não existisse Tim Maia, não existiria a Black Music no Brasil!”. 

Além de Tim Maia, ele também destaca outros cantores que exerceram papel importante na disseminação do gênero. “Não se pode falar em Black Music brasileira sem falar em nomes como Wilson Simonal, Cassiano, Jorge Ben Jor e Jair Rodrigues, pois eles contribuíram muito com o gênero no país. Na década de 70, os bailes eram tomados por trilhas Black, especialmente a Soul Music”, conta. 

Entre os inúmeros fatores que comprometeram uma maior abrangência do gênero no país, Fernando salienta a religião. “A religião predominante no Brasil é o catolicismo, ao passo que nos Estados Unidos predominam as religiões evangélicas, e a Música Black está ligada à segunda. Mas nota-se que os artistas que atualmente fazem sucesso em programas e na mídia em geral são oriundos da igreja evangélica brasileira”, relaciona Fernando, e acrescenta:“O povo brasileiro aderiu mais à dança do que à parte vocal. Portanto, o brasileiro expressou muito mais essa cultura pelos pés do que pela voz.”

Academia Brasileira de Musica Black (ABBM): Rua Estela, 315, Vila Mariana. Telefones: (11) 5515-2519/3452-9329 ou acesse: www.abbm.art.br 

Colaborou Adriano Mattos