Bairro Universitário
O megaprojeto da Unifesp prevê um programa que trará mais qualidade de vida e capacitação profissional aos moradores da favela da rua Dr. Mário Cardim
A região da Vila Mariana será transformada em um “bairro universitário”. Essa é a promessa da prefeitura em parceria com a Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, que idealizou o projeto.
Há um ano, um grupo de estudo foi criado para promover intervenções urbanísticas no entorno da instituição de ensino superior. Para facilitar o acesso viário e o fluxo dos cerca de 30 mil professores, estudantes, pacientes e pedestres que circulam pela Vila Clementino, foram previstas em 22 ruas (equivalente a 48 quarteirões) da região melhorias no transporte coletivo, trânsito, calçadas e vias. Já começam a sair do papel ações como sinalização planejada com tótens para indicar a localização dos serviços públicos, readequação de pontos de ônibus, acessibilidade total a deficientes físicos, semáforos inteligentes, câmeras para monitoramento e uma rede ampliada de acesso sem fio à internet.
As obras arquitetônicas tiveram sua primeira etapa concluída no primeiro semestre do ano passado. Na ocasião, a Subprefeitura de Vila Mariana executou 7 mil m² de passeio livre padronizados em toda extensão da rua Pedro de Toledo. A universidade pretende agora construir quatro novos prédios e um estacionamento para concentrar parte de suas especialidades espalhadas por 219 imóveis entre as ruas do Campus.
Apesar da série de reformas planejadas, o projeto “bairro universitário” é mais amplo e não se limita apenas às mudanças físicas da região. Ele também possui caráter social e educacional. Nesse sentido, seu braço operacional é o chamado programa Pró-Qualidade de Vida (PQV), vinculado à reitoria da Unifesp. Tal iniciativa foi desenvolvida em 2003 por uma equipe multidisciplinar de professores. A proposta era melhorar as condições de vida e trabalho dos funcionários da universidade e do complexo do Hospital São Paulo, além de estreitar a relação com a comunidade ao redor.
Após pesquisar as demandas do bairro, o programa tem hoje como principal objetivo tornar acessível aos moradores de bolsões de exclusão os vários equipamentos presentes na região. “Através do convívio com a comunidade que nos rodeia, percebemos que muitas pessoas de baixa renda não têm acesso aos diversos dispositivos de saúde, lazer, cultura e educação da Vila Mariana, seja por falta de informação, transporte ou até mesmo hábito de freqüentar”, explicou Maria Cristina Capobianco, psicóloga e coordenadora do PQV.
E a comunidade carente da rua Dr. Mário Cardim, com mais de 400 famílias apinhadas em 200 casinhas de alvenaria, é inicialmente a grande beneficiada pelo programa Pró-Qualidade de Vida. Em outubro passado, Maria Cristina realizou um levantamento das necessidades mais prementes na favela da Mário Cardim. Ela entrevistou cerca de 250 famílias. Os resultados apontaram carências, sobretudo, nas áreas de saúde, lazer, emprego e educação.
Diante do cenário desalentador, a Unifesp – por meio do programa Pró-Qualidade de Vida –, firmou parceria para a coleta seletiva com os catadores de lixo do bolsão de exclusão. O dinheiro arrecadado é destinado à associação de moradores da favela. A universidade ainda abriu vagas de suas diversas atividades gratuitas aos jovens e adultos que vivem no local.
Na sede da faculdade federal, há escolinha de futebol, aulas de dança (do ventre, de salão e samba roque), judô, boxe, ioga e inglês. Qualquer interessado pode participar – mais informações pelo telefone 5549-5556. Outras ações do programa, com apoio da coordenadoria regional de saúde da prefeitura, contribuíram no começo do ano para campanhas de vacinação e desratização na Mário Cardim, onde pouco mais de 20% de sua população é composta por crianças de até oito anos.
Os projetos sociais no local continuam a florescer. A partir do mês de agosto, docentes da universidade ministrarão em um galpão cedido pela igreja Kadercista, dentro da própria favela, palestras e oficinas sobre primeiros socorros, planejamento familiar e qualidade de vida. “Por desinformação, muitos jovens lá não têm cuidados com prevenção de doenças, em especial as sexualmente transmissíveis”, exemplificou Cristina.
Numa segunda etapa, quando o programa e suas atividades alcançarem boa adesão dos moradores da Mário Cardim, está previsto até um curso de capacitação profissional e formação de um banco de cadastro de trabalhadores, ambos com certificado da Unifesp. Afinal, muitos moradores da favela já trabalham no comércio da região. E as empresas poderiam consultar a rede de dados com a mão-de-obra disponível. “O programa Pró-Qualidade de Vida busca sempre mobilizar as forças sociais para criar uma rede quente de solidariedade que propicie a melhoria da qualidade de vida e renda nas comunidades desfavorecidas socialmente”, enfatizou Capobianco, que tem seu consultório na frente do Instituto Biológico.
Maria Cristina procurou o jornal Pedaço da Vila para ampliar parcerias com as associações e entidades do bairro e prontamente foi apresentada ao o primeiro-ministro da República de Vila Mariana, Walter Taverna. Na oportunidade, a coordenadora apresentou o projeto e, a partir daí, foram discutidas várias frentes de trabalho. “Queremos estender os projetos culturais não só para a favela, mas também às escolas públicas. O bairro tem um roteiro rico, com a Cinemateca Brasileira, o teatro João Caetano, o Centro Cultural Vergueiro, os museus Lasar Segall e do Instituto Biológico, bibliotecas, exposições nos pavilhões do Ibirapuera e outros pontos.
São locais maravilhosos que a criançada não freqüenta”, lamentou a psicóloga. Cristina pretende traçar um mapa eletrônico com os principais equipamentos e serviços públicos disponíveis na Vila Mariana e viabilizar um veículo para garantir o transporte gratuito aos locais. O colégio estadual Fabiano Lozano, onde 40% dos alunos residem na Mário Cardim, já fechou parceria para integrar as ações educacionais do PQV. Sob o conceito “bairro-escola”, a unidade terá seu potencial educativo ampliado por inclusão dos alunos em outros espaços ou atividades comunitárias, como as promovidas pela Unifesp.
No último dia 30, a universidade recebeu a visita do prefeito Gilberto Kassab que, como havia prometido, liberou investimento de R$ 10 milhões ao projeto “bairro universitário”. Assim, novas ações voltadas à qualidade de vida, cultura e educação estão se concretizando na Vila Mariana. O Programa Pró-Qualidade de Vida começa a ampliar os horizontes dos moradores da “Vila Mário Cardim”. O que nos faz lembrar uma célebre frase do físico Albert Einstein: “A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.”