Assim na Terra como no Céu
A Pastoral do Morador de Rua, da Paróquia Santíssimo Sacramento se movimenta o ano todo, prestando assistência a pessoas carentes. O trabalho exige tempo e dinheiro dos voluntários, mas busca devolver a condição mínima aos indigêntes socorridos. O Pedaço da Vila acompanhou uma dessas saídas para trazer neste Natal o exemplo de solidariedade de pessoas que fazem a diferença.
Nesta época do ano o que não faltam são exemplos de boa vontade e espírito solidário. É principalmente no Natal que as pessoas se sensibilizam para ajudar o próximo. Só que passada a data especial, esquecem-se de manter a ação benevolente devido à inevitável correria do dia-a-dia.
Contudo, existe um grupo de voluntários que dispõe de tempo, dinheiro e boa vontade com o propósito de assistir àqueles que não têm vínculos afetivos, não conseguem viver entre quatro paredes e não querem sair das ruas. Formam a Pastoral do Morador de Rua, da Paróquia Santíssimo Sacramento, à rua Tutóia . São anjos da guarda que se reúnem semanalmente em saídas noturnas com o propósito de amparar quem precisa não só em datas especiais, mas durante todo o ano. Profissionais liberais de diferentes áreas que se encontram há 15 anos, sempre às terças-feiras à noite, para distribuir uma série de mantimentos a pessoas em situação de rua.
Com duração de três horas, os voluntários fazem de carro um périplo por vias dos bairros do Paraíso, Vila Mariana, Bela Vista e Bixiga. No trajeto de cerca de 20 quilômetros, abordam os moradores abandonados para distribuir alimento, material de higiene, roupas, calçados, cobertores e até kit médico.
Poucos recusam a oferta de um banquete com sopa reforçada de legumes, carne e feijão, ou sanduíche, pães, frios, suco, achocolatado ou café com leite. Em média, entre 60 e 70 pessoas carentes são atendidas em cada tour regional. Todas as despesas, cerca de R$ 1000 por mês, são rateadas pelos próprios membros da Ong.
Além de oferecer os suprimentos básicos, os voluntários da pastoral também auxiliam na emissão de documentos – sobretudo 2ª via – e no custeio da passagem para o morador de rua voltar à sua cidade natal. O principal objetivo, porém, é encaminhá-los a entidades de recuperação, como a Toca de Assis e a Casa Restauração Aliança de Misericórdia, ambas no centro da cidade. Eis o grande empecilho do trabalho, pois muitos moradores de rua se recusam a ficar sob os cuidados dos abrigos ou albergues, onde é preciso cumprir regras. “Nossa intenção é tentar tirar o individuo da rua e reintegrá-lo à sociedade com emprego, estudo ou curso. Mas essa é uma tarefa difícil porque a rua é convidativa. Seus moradores não querem saber de disciplina, cumprir horários e ficar sem bebida nas casas de apoio. O grande problema deles é o alcoolismo e em alguns casos a droga”, relatou Silvana Vicenza Silva, uma das primeiras participantes do projeto.
Apesar das dificuldades, Silvana fala da boa convivência com os moradores de rua. A primeira abordagem exige paciência e o vínculo se dá por etapas. “Primeiro fazemos a aproximação, depois buscamos sua identificação, ganhamos a confiança dele para, a partir daí, prestarmos assistência de acordo com sua necessidade. No geral, todos são receptivos, educados e com o tempo cria-se até uma relação de amizade”, contou, durante uma terça-feira de novembro passado.
Esse é o caso do Toninho, morador faz quatro anos da rua Capitão Otávio Neves, esquina com a Teixeira da Silva, no Paraíso. A cada visita dos membros da pastoral, ele distribui em troca como gratidão flores, beijos e abraços. E chora quando o grupo vai embora e só volta dali a uma semana. “Eu moro no ‘Hotel ao Relento’, mas com meus melhores amigos, me dando comida, ajuda e, principalmente, amor e carinho, tudo fica bem”, garantiu Toninho.
Os milhares de personagens que se utilizam da rua como lar invariavelmente apresentam alguns transtornos mentais. “A rua é um cinema, uma novela. Cada dia tem uma realidade ou um capítulo novo. Há de tudo lá, médico, advogado, administrador… Todos os segmentos da sociedade estão representados ali. O cara que vai para viver na rua tem sempre um distúrbio psicológico. Perdeu a condição de ser humano”, avaliou Afonso Ciqueira, coordenador da Pastoral do Morador de Rua da Paróquia Santíssimo Sacramento desde 2000.
Administrador de empresas aposentado, Afonso diz tirar grandes lições e aprendizado com a vivência junto aos moradores de rua. “Com eles, você aprende a viver em comunidade. A solidariedade na rua é de fazer inveja porque muita gente não tem isso em casa com seus parentes”, refletiu.
Segundo ele, novos colaboradores ao projeto social são bem-vindos – os interessados podem se informar pelos telefones 3887-5022 ou 3051-6078. A tradicional padaria Cecília, no Paraíso, é parceira de longa data e contribui com doação de pães, por exemplo.
Afonso, por sua vez, ensina como deve ser um cidadão com espírito voluntário. E não é preciso muito. “Se você é bom, não é só no Natal que tem de ajudar, mas sim em todas as ocasiões. Nem que seja com um sorriso ou um cumprimento a outras pessoas. Este exercício faz você uma pessoa nem melhor nem pior, mas te torna um ser humano completo, pelo simples ato de doar”, incentivou.
Como parte das comemorações de fim de ano, os voluntários da pastoral promoverão no dia 18 deste mês uma caprichada ceia natalina aos moradores de rua assistidos de cada ponto visitado. “Queremos integrá-los ao ambiente natalino, montaremos até o presépio com Nossa Senhora e daremos um kit de roupas para cada um”, entusiasma-se Afonso.
Antes, dia 9, o grupo organizará um churrasco na casa de apoio Toca de Assis com pessoas que já conseguiu tirar da vida ao relento. “Alguns que deixaram as ruas ajudam no próprio trabalho de montar a festa, pois querem ser úteis.”
Já que é Natal, que tal se inspirar na atuação da Pastoral do Morador de Rua? Certamente, há muito o que fazer para tornar a vida melhor!