Adeus a um frei especial

Tive a oportunidade de conhecer frei Miguel Lucas Peña quando fui ao seu encontro na Paróquia Santa Rita de Cássia. Já sabia que era uma pessoa muito especial, além de um talentoso artista. Tinha o dom de evangelizar as crianças, que ficavam encantadas ao vê-lo e ouvi-lo: “Devemos entusiasmar as pessoas a seguir Jesus Cristo, encantar a todos”, defendia.

Sagaz, bem-humorado, amável e benevolente — esses são alguns dos adjetivos que o definiam com perfeição, tinha um carisma e uma felicidade no olhar que impressionavam…

A conjugação do verbo no passado é porque, poucos dias depois de entrevistá-lo, ele faleceu, em 19 de setembro, aos 75 anos, de pneumonia.

Nascido na província espanhola de Burgos, descobriu, ainda na infância, com o apoio dos seus pais, religiosos fervorosos, a vocação para o sacerdócio. Aos 12 anos de idade, determi-nado a seguir o caminho religioso, ingressou no Mosteiro de La Vid, na Espanha.

Da vida mundana, levou apenas o gosto pela pintura, que entrou em sua vida aos 7 anos, quando recebeu do pai frascos de tintas e orientações de um professor particular. Um talento que, posteriormente, foi reconhecido pelo Vaticano, que abrigou sua obra A Santa Ceia”, exposta na Curia Generalizia Agostiniana. “Bem perto das colunas de São Pedro”, indicou.

No começo de 1960, ordenou-se pela Ordem de Santo Agostinho e, no ano seguinte, aportou no Brasil, seguindo para Nova Granada, no interior paulista, para liderar a Paróquia de São Benedito, onde permaneceu até 1973.

frei Miguel, com a felicidade radiante que lhe era peculiar, afirmava que sua vinda para o Brasil foi um desígnio de Deus, pois “estava se aperfeiçoando e abrindo caminho para Ele”.

Na capital seguiu diretamente para a Paróquia de Santo Agostinho, no Paraíso; depois de 20 anos, foi transferido para a Vila Mariana, onde como pároco, foi recebido de braços abertos na Igreja Santa Rita de Cássia (Rua inácio Uchôa, 106), onde permaneceu até sua morte.

Multifacetado, frei Miguel exercia outras funções além da habitual: como artista plástico, dom que surgiu simultaneamente com a vocação religiosa, produziu mais de 200 peças, com destaque especial para a Santa Ceia, essa, com 5 metros de comprimento por 3 de altura, que ornamenta o altar da paróquia — e que era considerado o seu quadro favorito. “Levei cinco meses para concluí-lo”, dizia.

Gostava de pintar cenas sacras, interiores e figuras humanas. Pela técnica apurada, a habilidade e o fervor em produzir obras de qualidade, recebeu elogios da alta hierarquia de seu mosteiro na Espanha, o que serviu de incentivo para ele pintar cada vez mais. Lá estão expostas 40 obras de sua autoria.

Como escritor, publicou 25 títulos, em sua maioria livros de autoajuda, entre eles: Saúde Integral, Catequese com Humor, Um Homem que Encontrou o Sentido da Vida e Como Trabalhar os Sentimentos. Com sabedoria, buscava ensinar com simplicidade as verdades da existência. O contentamento com a literatura era tanto que, nas tardes de autógrafos — sempre regadas com os típicos churros espanhóis —, ele doava seus livros pelo simples prazer de compartilhar sua obra com o próximo; considerava seus paroquianos uma verdadeira família — vivia em plena fraternidade.

O sacerdote era psicólogo, parapsicólogo, pedagogo e… mágico! Esse ofício ele aprendeu nos anos 1970, e levava jeito para a coisa. “Guardo nas mangas mais de 200 truques!” Em cada número de mágica, a palavra de Deus.

Taxado por muitos como um padre excêntrico, sobretudo pela forma de evangelizar, quebrou paradigmas, gerando polêmica diante dos fiéis mais tradicionais, que criticavam as cerimônias bem-humoradas e recheadas de truques.

As missas “espetáculos” — de domingo, às 11h, e a das crianças — causavam tamanha repercussão que recebiam em cada cerimônia mais de 300 pessoas. Era quando o sacerdote alegrava a todos com mágicas e anedotas, cheias de simbolismos bíblicos e mensagens de fé.

Aos fiéis mais ortodoxos, que não aceitavam seu estilo inovador de evangelização, frei Miguel era categórico: “Devemos entusiasmar as pessoas a seguir Jesus Cristo. É preciso ensinar com amor e alegria para sermos ouvidos”, destacava sempre, fazendo menção às palavras de Santo Agostinho.

Catequese com Humor tornou-se o chamariz da paróquia pelo simples fato de seguir a liturgia de uma maneira mais agradável e descontraída, sem abrir mão dos reais preceitos contidos no ensinamento de Jesus Cristo: “Sempre gostei de piadas”, admitiu. No livro, que lhe rendeu viagens pelo mundo como palestrante, o frei aproveitou anedotas populares para explicar cansativos conceitos religiosos.

O atraente, moderno, e até ousado frei Miguel propagou a palavra de Deus, com toda Sua graça e cumpriu a missão que lhe foi destinada. Deixou a plateia de fiéis saudosos com sua partida, a centelha divina de cada mágica não mais se repetirá nas missas especiais. “Tivesse eu nascido 20 vezes, em todas elas iria querer ser a mesma coisa: sacerdote agostiniano”.

Nossa pauta era apresentar aos leitores esse frei diferente: grande mágico e pintor, que alegrava as crianças nas aulas de catequese. Em nosso encontro, tive a oportunidade de perguntar a ele sobre sua especial maneira de ensinar as palavras de Deus e o pároco citou mais uma vez Santo Agostinho: “Aquele que tem caridade no coração tem sempre qualquer coisa para dar”, disse, humildemente.

Em um passe de mágica, frei Miguel se foi e nossa matéria, que seria novidade, trans-formou-se em despedida. Mas sem sumir a felicidade, como era de gosto do nosso home-nageado — que agora está no céu, dando uma de suas deliciosas gargalhadas!