Uma viagem para a Bolívia

Heróis… nunca mais vou reclamar dos gols perdidos, furadas bizarras das zagas, apagões dos arqueiros, técnicos com atitudes confusas… Em La Paz, antes de mais nada, todos eles são heróis. Subir uma escada ou dar um pique de 50 metros para pegar um ônibus é uma tarefa que exige dos pulmões. A cada passo nas ladeiras da capital mais alta do mundo, La Paz dificilmente nos deixa esquecer a importância do oxigênio em nossas vidas.

Uma alternativa politicamente correta é remediar a altitude com o chá de coca, espécie de patrimônio cultural, esse chá pode ser encontrado em qualquer lugar, servido em sachês ou feito com as próprias folhas. Símbolo e orgulho local, sua imagem é insistentemente dissociada da cocaína, encontram-se adesivos e camisetas por todo lado, advogando pela inocência e pureza das folhas de coca. Embora, com pouco esforço, também seja possível notar bolivianos e turistas com as mesmas intenções só que com os derivados da folhinha.

A paisagem de La Paz é marcada por uma figura um tanto pitoresca: as cholas. As cholitas, como são carinhosamente conhecidas, são mulheres gordinhas de tranças, próteses dentárias pouco discretas (outra febre em La Paz), que usam invariavelmente uma cartola e um pano colorido, uma espécie de trouxa, amarrado no ombro. A cartola serve para preservar a pele do forte sol boliviano, o que de fato não acontece, pois suas bochechas costumam ser bem queimadas, enquanto a trouxa serve para levar os bebês, sim… encontrar uma cholita sem um bebê nas costas é tão frustrante como ver uma baiana vendendo pastel, ao invés de acarajé, em Salvador.

Esquecidas algumas diferenças é bom lembrar que La Paz antes de ser uma cidade exótica, é uma capital e que por isso mais se aproxima do que se distancia de São Paulo, portanto é bom ter cuidado com a carteira e paciência com o trânsito e algumas filas.

A algumas horas de La Paz está a cidade de Copacabana, cuja beleza inspirou o cartão postal carioca. A verdade é que a cidade além de pequena não possui a beleza das ilhas a que dá acesso: a Ilha do Sol e da Lua, principalmente da primeira. Até a Ilha do Sol são mais ou menos três horas de travessia pelo majestoso Titicaca.

Olago Titicaca lembra um mar. Isso pode ser comprovado, contornando-o em uma viagem de ônibus de Puno, cidade peruana, até Copacabana. A beleza e imponência do Titicaca impressionam, fazendo da sua travessia até a Ilha do Sol uma viagem impressionante.

A Ilha do Sol é dividida em duas partes bem notadas pelos turistas: a parte Norte e a parte Sul. Quando um monte de agências locais nos recomendava a parte Sul e vários guias impressos recomendavam a parte Norte, não pensei duas vezes em ir para o Norte. Não demorei, no entanto, a entender por que o a parte Norte não é recomendada pelos guias: a população nessa parte da Ilha não demonstra a menor simpatia para os turistas. Isso, apesar de ferir em um primeiro momento nossos brios de cordiais brasileiros, torna a viagem uma experiência única. Mal cheguei, provei da falta de interesse local em minhas simpáticas tentativas de aproximação.

O primeiro estranhamento foi quando resolvi dominar no peito uma bola perdida em um jogo entre dois moleques da ilha. Após devolver-lhes a bola com um simpático sorriso de superioridade futebolística, olhei-os gentil, demonstrando gratuita disposição para ensiná-los as manhas e artes do futebol pentacampeão. Os moleques pegaram a bola olhando feio para mim e entraram em casa sob o olhar aprovador dos pais de outros adultos, que ora me olhavam feio ora riam entre si.

Esquecido o episódio inventei de tirar a foto de um menininho de uns 6 anos que tocava um minúsculo rebanho de cabras. Mais rápido que o flash, o menino, apontando o dedo na minha cara, falou com voz firme algo como “A nosotros no nos gusta que nos tomen fotos!”. Tive a certeza de que até as cabras riram da minha cara de espanto.

Bom, já que a cordialidade tupiniquim não funcionava, apelei para a face perversa da moeda: passei a comprar fotos com os animais e crianças da região por 1 boliviano, algo como R$0,25, usando a linguagem universal da propina, todos ficaram felizes. Fora a rica experiência antropológica, essa parte da ilha tem um pôr-do-sol fantástico. Entre o mirante do “sunset” e a nossa pousada na ilha tínhamos uma trilha de 45 minutos, fato que me preocupava, pois segue-se ao pôr-do-sol a escuridão na qual teríamos que voltar. Ledo engano… em uma aula empírica de geografia, descobri que a mais de 3500 metros de altitude, quando o sol se põe, ele ainda está a 3,5km de se pôr no nível do mar, iluminando assim todo nosso caminho até a pousada.

Outra parada inesquecível na Bolívia é o Salar de Uyni: um deserto de sal imenso, que é atravessado com land rovers e guias experientes e cansados dessa travessia. A paisagem é única.

Não me esqueço de quando subindo uma montanha olhei de cima para o Salar e não entendia umas marcas de jato no céu, já que ali não passava nenhum avião. Depois de um tempo, percebi que as marcas eram das picapes 4×4 no deserto, a brancura do sal se mistura totalmente com o firmamento, sendo dificílimo distinguir um do outro. Como um quadro de Escher, eu fiquei um bom tempo para entender o desafio daquela cena.

O exotismo cultural e paisagístico costuma ser um item importante na escolha da viagem e viajar para a Bolívia é uma forma econômica de se conhecer um lugar exótico para os brasileiros. Nós nos sentindo ricos em um país de moeda desvalorizada, 1 real vale 7 bolivianos, cabe ao viajante escolher entre o luxo cinco estrelas ou uma viagem mais próxima da realidade boliviana.

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