Quem nos representa de verdade?
As “Jornadas de Junho” de 2013 (aquela Bela Baderna, leia o livro ativista!) parecem ter consolidado a ideia de que a democracia conquistada pós-ditadura estaria vivendo uma crise de representatividade. Tendo fortemente a concordar com esta constatação, acrescentando somente que nela, assim como no regime anterior, sobrevive a crise moral e ética de nossa elite, sobretudo a política.
No Plano Diretor, não só no seu processo de elaboração como na proposta final que está em via de aprovação final, transparece à risca este entendimento: ausência quase absoluta da classe política, de vereadores, posicionando-se nas audiências públicas, intermediando interesses de forma transparente e defendendo propostas da maioria da população. No entanto sabe-se que agora — às vésperas de sua segunda votação —, nos obscuros conTRATOS de gabinete, giram mais de 400 emendas para alterá-lo, arriscando-se que princípios existentes em leis maiores (como o da transparência e o da gestão democrática) possam ser desprezados em decorrência de norma regimental que possibilita mudanças de última hora. Como pode interesses contrários ao da população serem incorporados ao Plano sem que seus agentes tenham, sequer, se manifestado nas Audiências Públicas?
Como deram-se tais tratativas e influências?
A cidade, conforme MARICATO, 2013 (in Cidades Rebeldes), “mais que suporte ou chão para a reprodução social da força de trabalho, é também um produto, um grande negócio (…)”. Na construção de um Plano participativo, a produção da cidade deveria compor-se de forma a moldar os interesses do ganho do capital ao do desenho estético-urbano mais apreciado pela população; ou seja, não se deveria optar por um desenho urbano que justificasse o ganho do capital do setor imobiliário em detrimento de um outro modelo que promovesse uma cidade mais bela e saudável, com mais áreas de lazer. Afinal todos aqui vivemos! Mas isto não ocorre na cidade de São Paulo e sabemos muito bem os porquês! “Há uma lógica entre legislação urbana, serviços públicos urbanos (terceirizados ou não), obras de infraestrutura e financiamento das campanhas eleitorais” (MARICATO, 2013).
O Conselho Municipal Participativo da Subprefeitura da Vila Mariana, do qual venho tendo o prazer de compor, recentemente aprovou e encaminhou dois Ofícios à Câmara Municipal demonstrando seu descontentamento com o modelo de verticalização proposto no Plano Diretor. Baseado em cristalino desejo de nossa comunidade – cansadamente exposto durante o processo de elaboração do Plano, porém não incorporado ao seu texto final – estes Ofícios propõem que as construções ao longo dos eixos de transporte coletivo de alta e média capacidade (metrô e corredores de ônibus) limitem-se a um controle de altura máxima que seria o de 25 (vinte e cinco) metros (térreo mais 8 andares), inclusive próximo das estações, e que nos chamados “miolos” de bairro – livres da área de intervenção destes eixos – o melhor padrão a ser seguido seria o da atual ZM-1 (Zona Mista de baixa densidade), com altura máxima de 15 (quinze) metros das edificações.
Como fica quando um Conselho – são 34 os eleitos pela comunidade local – aprova uma vontade popular e a encaminham a uma Câmara Municipal aonde, muito possivelmente, não haverá ninguém para representar essa demanda da comunidade? Cadê o vereador que arrisca-se a sair do Olimpo em que vive e caminhe junto de sua comunidade? Infelizmente o sistema eleitoral vigente em nosso país, raras vezes, permite vincular o político eleito a uma comunidade determinada, o que enfraquece muito suas lutas. Afinal, quem nos representa de verdade?
*Ricardo Fraga é Engenheiro Agrônomo, Advogado,
Mestre em Saúde Pública pela USP e Conselheiro Participativo VM