Plano Diretor para quem?
Por Ricardo Fraga*
Embora a muitos possa surpreender, São Paulo tem um instrumento de planejamento que procura ordenar seu crescimento: é o Plano Diretor, que basicamente objetiva organizar onde os diversos interesses pelos usos da terra — residencial, de serviço, comercial e industrial — devem se estabelecer para que se almeje o máximo de eficiência em termos de mobilidade e de desenvolvimentos social, econômico, cultural e urbano-ambiental.
O vigente foi elaborado em 2002 e — vejam só! — no momento está em fase final de revisão pelo Executivo. Por acaso você, caro leitor, viu alguma iniciativa do poder público instigando — o a participar desta importante questão, que certamente afeta a vida de todos?
Bem, embora existam muitas críticas à forma como sua elaboração vem se dando (afinal, quem dirige e a quem se dirige o Plano Diretor?), o prefeito apresentou sua Minuta de Projeto de Lei no final de agosto e pretende até a metade do presente mês encaminhá-la ao Legislativo, ocasião em que se dará provavelmente uma nova etapa de discussão.
Pela Minuta, a cidade se subdividiria em sete Macroáreas que comporiam duas Macrozonas: a de Proteção e Recuperação Ambiental e a de Estruturação e Qualificação Urbana, estando (veja mapa) nosso querido Pedaço inserido nesta última, em uma de suas Macroáreas denominada Qualificação da Urbanização Consolidada. É nela que se pretende compactar a estrutura da cidade, promovendo-se um aumento na densidade construtiva, demográfica e habitacional, principalmente ao longo dos seus eixos de transporte coletivo, como metrô e corredores de ônibus, otimizando-os e, consequentemente, diminuindo as distâncias entre o emprego e a moradia. Para desestimular o uso do transporte individual, os novos empreendimentos imobiliários residenciais ao longo desses eixos deverão ter, no máximo, uma vaga de estacionamento.
Destaca-se que há pelo menos 20 anos procura-se adensar o centro expandido da cidade, melhor servido de infraestrutura urbana, de forma a evitar-se o avanço horizontal da cidade e os consequentes custos envolvidos com sua expansão. No entanto, com a valorização excessiva da terra nesta área — muito determinada pelo projeto especulativo de verticalização promovido pelo setor imobiliário —, os resultados foram o inverso do esperado. Para o distrito da Vila Mariana, por exemplo, o censo do IBGE 1990, comparado com o de 2010, demonstra que o seu número de moradores praticamente não se alterou, ocorrendo, no entanto, uma troca do morador de menor para o de maior renda — processo conhecido por gentrificação.
E é neste ponto que a Minuta não só não enfrenta a questão como, ao que parece, reforça-a, ao propiciar um aumento considerável da área edificável do lote (coeficiente de aproveitamento) sem a preocupação com a qualidade do projeto — muito embora o estímulo ao uso do térreo dos prédios para serviços e comércio seja interessante. É que a estética da “cidade paliteiro” continuará sendo estimulada, com a construção de prédios maiores em lotes ainda menores, além da possibilidade de se construir ao longo de toda a fachada do terreno e sem nenhum recuo frontal. E olha que tal tendência, já acentuada no Plano Diretor atual, trata-se de uma das principais críticas, não levadas em consideração, de setores organizados da sociedade! Não se trata de ser contra a verticalização, mas a favor de que ela ocorra em uma porcentagem de área menor de nossa cidade e de forma a possibilitar projetos que dialoguem com o entorno. Da forma como se apresenta, é o poder do capital de poucas empresas a continuar determinando o modelo estético urbano de cidade a seus moradores, e não o contrário, o que seria razoável. Por que não se atingir o adensamento esperado, a tal da cidade compacta, conjugando-se o aumento do direito de construir nos lotes com uma altura máxima razoável (gabarito), que seria em torno de 4 a 8 andares?
Com a proposta da Minuta de construir-se mais nos lotes, corre-se o risco de que aqui, na Vila Mariana, as duas únicas áreas que temos um pouco mais restritivas à verticalização, as zonas mistas (ZM1) da Vila Mariana e Mirandópolis, sucumbam ao poder das construtoras. Um Plano Diretor cidadão deveria, ao contrário, expandir, e não eliminar essas áreas. Talvez seja tempo de ir dando adeus àquele vizinho querido!
*Ricardo Fraga é Engenheiro Agrônomo, Advogado, Mestre em Saúde Pública pela USP