Visita Auspiciosa

Que bom seria se todos pudessem viver dignamente. Se poder público e comunidade, de “Mãos Unidas”, somassem forças para melhorar as condições de moradia de nossa favela na rua Mário Cardim, que há cerca de 4 décadas instalou-se no pedaço. Parece um sonho? Pois, se depender da boa-vontade e articulação, sua urbanização é possível!

Há cerca de 40 anos, quando ainda predominavam na Vila Mariana chácaras em várzea e ruas de terra, um grupo de migrantes nordestinos sem-teto passou a ocupar um terreno público abandonado às margens do córrego do Sapateiro. O local abrigava uma fábrica que pegou fogo e fora demolida posteriormente. Por dívidas dos proprietários do estabelecimento com o poder público, a área passou a pertencer ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O órgão federal, porém, nunca deu uma destinação ao lugar. Ocioso, o terreno de aproximadamente 7,5 mil m² tornou-se alvo da ocupação irregular. Os invasores, então, construíram os 12 primeiros barracos de madeira sobre esgoto a céu aberto. Depois, não tardou para novos moradores se agregarem àquele conjunto de moradias de condições precárias. Formava-se ali a vila da rua Mário Cardim, hoje um bolsão de exclusão cravado em pedaço nobre da Vila Mariana, cercado por prédios e casas de alto padrão.

Desde sua origem aos dias atuais, muita coisa mudou na comunidade da Mário Cardim, mas as principais carências típicas de qualquer zona periférica continuam as mesmas. No final de 2006, a vizinha Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) realizou um censo junto ao bolsão carente. À época, a instituição pretendia promover ações socias no local por meio do programa Bairro Universitário. Mas a ação, com a mudança de reitoria em 2008, está paralisada.

Pelo levantamento da Unifesp, que o Pedaço da Vila teve acesso com exclusividade, as principais dificuldades constatadas na Mário Cardim englobam: desemprego (70% dos moradores encontram-se desocupados ou na informalidade); baixa escolaridade (60% possuem apenas o ensino fundamental); baixa renda (75% das famílias vivem com até dois salários mínimos); exclusão digital (90% das casas não têm computador); falta de áreas de lazer (mais de 80% não frequentam nenhum clube ou parque); limpeza, além do acesso limitado a serviços públicos, como creches, postos de saúde e equipamentos culturais. O estudo da Unifesp também havia detectado que apenas 60 famílias (pouco mais de 10% do total) recebiam algum tipo de benefício governamental, como Bolsa Escola e Renda Mínima.

O lado positivo da situação é que os antigos barracos de madeira deram lugar a casas mais resistentes de alvenaria. Há no total 250 delas, onde vivem apinhadas mais de 500 famílias (85% de origem nortista e nordestina), incluindo cerca de 200 crianças. Os velhos problemas de ligações clandestinas de esgoto e eletricidade foram ao menos resolvidos faz pouco tempo e muitos dos moradores trabalham no bairro.

Embora melhorias básicas tenham sido conquistadas, a comunidade acalenta o sonho de reurbanização das moradias. “É o desejo de todos aqui. Somos hoje legalizados na prefeitura, e cada morador paga seu IPTU direitinho. Acreditamos que um dia a nossa reivindicação de reurbanização será atendida. O ideal seria a construção de um prédio habitacional, mas sabemos que é difícil. Uma reforma urbanística para contemplar calçadas, lixo, entulho, poda de árvore, iluminação pública e espaço de lazer seria essencial”, enumera Cícera Vieira, líder comunitária e presidente da Associação Mãos Unidas (AMU).

Ela se mostra esperançosa, afinal foi a primeira vez que um subprefeito da Vila Mariana visitou a favela. Como havia dito ao jornal Pedaço da Vila do mês passado, Maurício Pinterich conheceu o bolsão no final de maio. “Ele gostou da comunidade, achou tudo muito organizado e pareceu interessado em nos ajudar. A gente sabe que existe um projeto de urbanização na prefeitura, mas nunca tivemos resposta. Quem sabe agora ganharemos apoio”, alenta Cícera.

A Subprefeitura da Vila Mariana, por sua vez, divulgou que pretende estreitar o vínculo com a comunidade para a articulação do pedido de urbanização a ser encaminhado à Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Os moradores também foram convidados a participar do planejamento estratégico de ações regionais. O problema da reciclagem de lixo na rua Mário Cardim já foi pauta das primeiras conversas.

O subprefeito cogita que a reurbanização da área poderia até ocorrer por meio do novo programa federal “Minha Casa, Minha Vida”. Mas acredita em meios mais fáceis para se concretizar o intento. “Acho que o melhor caminho seja através da COHAB e da CDHU, respectivamente programas municipal e estadual de habitação”, lembra Mauricio Pinterich.

O terreno da vila Mário Cardim por anos foi palco de diversas brigas entre os moradores e o governo quanto à reintegração de posse. A rua era constantemente fechada com lixo e entulho em forma de protesto. A situação só ficou tranquila em 2002, quando o espaço foi incluso no Plano Diretor Regional do Município, como Zona Especial de Interesse Social (ZEIs). Isto significa que a antiga área ocupada só deve ter destinação de habitação social. E nada de caráter comercial poderá ser implantado em detrimento da referida moradia carente, independente do terreno ser ou não particular.

Os moradores do local estão cadastrados como uma das 1,6 mil favelas da cidade a serem beneficiadas pelo programa de Habitação de Interesse Social (Habisp) da SEHAB. Trata-se de projeto que visa levantar as demandas de cada bolsão carente e realizar um diagnóstico de intervenção. Procurada pela reportagem, a secretaria de habitação informou que a comunidade da Mário Cardim, por se situar em uma área particular mesmo transformada em ZEI, não tem previsão para ser revitalizada. Isso porque, segundo a pasta, atualmente estão na lista de prioridades projetos habitacionais em favelas localizadas em áreas públicas de risco, como encostas, beira de córrego e em vias de tráfego pesado, como nas marginais Tietê e Pinheiros.

“O programa Habisp cadastrou todas as favelas da cidade para traçar as prioridades de intervenção nos locais mais graves e de risco. Como a da Mário Cardim já possui um mínimo de estrutura e saneamento básico, outras diversas áreas em situação socioeconômica pior terão preferência primeiro”, explica a integrante do Conselho Municipal de Habitação, Mônica Bueno Leme, arquiteta-urbanista e professora do Centro Universitáro Belas Artes de São Paulo .

Sonhar com a urbanização da favela não é mérito só da comunidade Mãos Unidas, outra parte da vizinhança também gostaria de ver moradias mais dignas, crianças fora da rua, mais limpeza e organização. Tudo isso resultaria em uma convivência mais sadia, maior segurança e qualidade de vida para o bairro. O encontro do subprefeito Maurício Pinterich com a presidente da Associação Mãos Unidas Cícera Vieira indica boa vontade e início de um frutífero entendimento pelo qual todos sairiam ganhando.