Circuito das águas
A Bacia da Vila Mariana é formada pelos rios Sapateiro e Boa Vista, que nascem na colina que corta a cidade: Paulista-Vergueiro. O Rio Sapateiro já foi chamado de Curtume, Rio das Pedras, Matadouro, e suas nascentes estão nas estações do metrô Vila Mariana e Santa Cruz. Já o Rio Boa Vista, conhecido pelos índios como Caaguaçu, nasce ao pé das estações Paraíso e Ana Rosa.
Os rios Sapateiro e Boa Vista serpenteiam a região, cruzam a Avenida Pedro Álvares Cabral e, juntos e à céu aberto, são tratados para formar os dois lagos do Parque Ibirapuera.De lá, seguem para o Rio Pinheiros.
Os cursos desses rios foram alterados nas últimas décadas, mas engana-se quem pensa que estão mortos ou invisíveis. Por algumas ruas do bairro é possível vê-los e ouvi-los correndo continuamente, formando vegetações características de águas limpas e, nos dias de chuva forte, nas pequenas inundações. A água brota em ruas de paralelepípedo e também é despejada no meio fio diariamente pelos prédios.
Para promover a consciência de que nossos rios estão vivos, o Rios e Ruas espalharam neste mês lambe-lambes para ajudar os moradores a identificá-los: “O Rio Caaguaçu passa por aqui” e “O Rio Boa Vista passa por aqui”.
Por parte dos moradores, a movimentação pela redescoberta dessa riqueza hídrica cresce rapidamente. Isso impulsionou a expedição que ocorreu no dia 11 de novembro. Sessenta pessoas embarcaram no Circuito das Águas para conhecer um pouco mais os cursos e as histórias do Rio Boa Vista.
O passeio promovido pelo Rotary Club/Vila Mariana, em parceria com o Rios e Ruas, teve o apoio dos institutos Geológico e Biológico, jornal Pedaço da Vila, Quinto Pecado Café Bistrô, Espaço Surya Brasil e Bolos do Frei, na Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, o ponto de partida do circuito.
No Bolos Frei, antes do passeio, as breves apresentações do Rotary Club/Vila Mariana, do Instituto Geológico e da Iniciativa Rios e Ruas situou os participantes sobre os rios aprisionados. “A expedição é uma iniciativa muito importante para os moradores entenderem o ambiente natural em que sua cidade está situada e as suas transformações ambientais”, disse a geógrafa do Instituto Geológico Viviane Portela. “O IG foi transferido para o pedaço há três anos e a gente sente a necessidade de mostrar essa riqueza ambiental”.
O integrante do Rios e Ruas e condutor do passeio, Fernando Nigro Rodrigues, mais conhecido como Fefa, contou que a proposta é colocar as pessoas na experiência dos rios. “Esses rios estão vivos e correndo sob os nossos pés. De uma forma sensível, queremos que os moradores se reconectem com essas águas”.
“A expedição foi uma iniciativa que partiu da própria comunidade”, explicou Paulo Lázaro, do Rotary Club/Vila Mariana. “Ela foi pensada para trazer à tona um bairro que pouco conhecemos: o bairro dos rios, cujas águas banham as nossas ruas até hoje”.
Após a conversa inaugural, a expedição tomou o rumo das águas do Boa Vista e a primeira parada foi no número 534 da Conselheiro Rodrigues Alves, local que abriga hoje as três torres de 27 andares do Condomínio Boulevard Ibirapuera.
Fefa indicou aos presentes onde o Boa Vista corta o terreno do megaemprendimento. Ressaltou que a vizinhança, sob a liderança do vizinho Ricardo Fraga, criou em 2011 o movimento O Outro Lado do Muro, que pedia a criação de uma praça no local e o resgate dessas águas. “Quando há cursos d’água, é preciso respeitar as margens. Na legislação municipal são dois metros de cada lado e na ambiental são trinta metros; são as chamadas Áreas de Proteção Permanente (APP)”, que não foram respeitadas pela construtora Mofarrej.
Seguindo o rio, agora na Rua Octávio de Moraes Dantas, paralela às três torres, todos puderam ver e tocar o Boa Vista. Por entre a calçada a água brota cristalina provocando alagamentos. “Para fazer as garagens dos condomínios, há o rebaixamento do lençol freático; mas a água não para. De tempos em tempo é preciso bombeá-la e a rua fica alagada”, explicou Fefa.
Desde a construção das torres e das 750 garagens em 3 pavimentos, seus vizinhos sofrem com a quantidade de água despejada e pelo estrago que ela faz no asfalto da Rua Maestro Callia, por onde passa o Rio Boa Vista.
O próximo ponto de parada foi na Rua Dr. Astolfo de Araújo, por onde, numa grade larga no asfalto, é possível ver e ouvir o Rio Boa Vista pela tubulação semiaberta. Antes que todos se aproximassem da grade, Fefa orientou: “Antes de olhar, apenas ouçam, despertem os sentidos, sintam a natureza”.
Depois de ouvir as águas do Boa Vista, a parada seguinte foi no Instituto Biológico, patrimônio arquitetônico do pedaço que comemora neste mês 90 anos. No jardim do edifício, os visitantes passearam em torno do cafezal, ouviram a história do IB, depararam-se com árvores de grande porte e exemplares de pau-brasil.
O Circuito das Águas do Rio Boa Vista chegou ao fim na Praça Arquimedes e Silva, na Rua Fabrício Vampré. Por tubulações na calçada e até dos paralelepípedos, a água brota incessantemente e deixa a rua sempre alagada. Ali, todos puderam banhar as mãos na água. “Quem quiser, pode beber. A água é limpa!”, incentivou Fefa.
Ao pé da grande árvore no centro da praça, os participantes decerraram uma pequena placa em homenagem ao rio. Nela, lê-se: “No mapa de São Paulo de 1905, podemos ver sua nascente entre as ruas Fontes Junior e Jabaquara, hoje denominadas Rua Joaquim Távora e Av. Conselheiro Rodrigues Alves. O Rio Boa Vista foi canalizado com a urbanização da cidade e hoje podemos ver parte dele correndo ao ar livre na Rua Fabrício Vampré”.
Os participantes animaram-se para um próximo passeio, pelas águas de uma das duas nascentes do Rio Sapateiro, a que brota na altura da estação Vila Mariana, desce pela Capitão Cavalcanti e segue o caminho da Cinemateca Brasileira até alcançar o Parque Ibirapuera.
Na pequena viela ao lado do número 111 da Rua Lutfalla Salim Uchôa, travessa da Rua Capitão Cavalcanti, o Rio Sapateiro corre a céu aberto, protegido por alguns metros até se perder na tubulação.
Os participantes do primeiro Circuito das Águas descobriram que, longe dos olhos, mas bem próximos de todos, os rios do pedaço estão vivos, correndo pelas calçadas, pelas ruas, pelas vielas… E são parte da identidade do bairro.