O RESPIRO DA ESQUINA DA FRANÇA PINTO E O TAL DO “NEGÓCIO DE ÁGUA”

Quando éramos moleques, eu, o Milton Levy e uma turma ali da Macau, na esquina da Rua Morgado de Mateus com a Rio Grande, aprontávamos muitas. A Vila Mariana era calma e tranquila. Uma outra vida, muito parecida com uma vida de interior, nas casas e nas vilinhas sempre sossegadas.

Um dia vimos um caminhão de lixo da prefeitura que trazia uns apetrechos de solda, uns ferros e 2 funcionários para abrir um bueiro na esquina da Rua Humberto I com a França Pinto. Logo corremos para ver eles abrirem o bueiro, porque nós já tínhamos tentado e não tínhamos conseguido.  Era bem fácil abrir com aqueles ferros. Perguntamos e eles disseram que iam ver um “negócio de água”.

Vimos aquilo e no dia seguinte abrimos sozinhos o bueiro e entramos. Era um calor insuportável. Eram tubulações enormes. Andamos por elas e tinha várias entradas e saídas. Dava medo de se perder e não conseguir voltar. Os amigos ficavam gritando para gente saber de onde vinha o som. Moleque é moleque, sempre. Foi uma boa aventura. Nunca me esqueci desse fato e, nesse dia, de um deles ter dito que ia ver um “negócio de água”.

Muitos anos depois, lendo um jornal, soube que o que tinha ali naquela esquina era uma torre de ventilação da antiga RAE – Repartição de Águas e Esgoto – que hoje é a Sabesp. Em 1927, essa RAE decidiu fazer uma linha condutora de água potável ligando o Ibirapuera ao Cambuci. Lendo, logo lembrei e liguei os fatos. Era o tal do “negócio da água”

Esse era um grande projeto da Cidade de São Paulo, para levar a água do Sistema Rio Claro, em Salesópolis, município da Zona Leste à Zona Sul da Capital. Iniciado a partir da altura do n.° 800 da atual Rua França Pinto, com destino à antiga estação de tratamento de água Deodoro, no bairro do Ipiranga. O percurso previa que as tubulações, de 2 km, enterradas a 40 metros de profundidade, cruzaria a Rua Vergueiro (altura da Carlos Petit), o espigão das avenidas Bernardino de Campos e Paulista.

Essa obra nem o tempo danificou de tão bem feita que foi. A iluminação resiste e a pintura também, feita com uma tinta especial. A infiltração de água não ultrapassa uma camada de 20 centímetros, no entanto sempre que os operários da Sabesp precisam entrar no túnel, é necessário realizar uma drenagem da água acumulada no interior da estrutura.

Uma curiosidade é aquele “totem de respiro” que vemos na esquina da Humberto I com a França Pinto; serve para liberar o gás sulfídrico e o monóxido de carbono, concentrados na tubulação que, dentro, ultrapassa a temperatura de 35 graus.

A outra curiosidade é que o bairro cresceu muito, foi perfurado de todos os jeitos para se construir galerias de águas, rede de esgoto, encanamentos de gás, condutores telefônicos, e mesmo o metrô, e o túnel de águas da RAE continua intacto e funcionando.

O totem continua ali como um lembrança de 1927 e mostra a importância do projeto.

Dados técnicos do Jornal Estado de São Paulo e Jornal Pedaço da Vila.

Fotos by Cacá Bloise-Eduardo Maya – internet