DEIXA EU TOCAR ESSA GAITA DE BOCA, SEU AFIADOR?

Eram 4 horas da manhã quando o primeiro bonde deslizava pelos trilhos da Vila Mariana vindo do Largo Ana Rosa e indo para Santo Amaro, fazendo muito barulho e acordando a todos.

Aos poucos ouviam-se os rádios dos vizinhos tocando as músicas da época e repercutindo as notícias do dia, sempre com aquela musiquinha de fundo “vam’bora…vam’bora…tá na hora…na hora – vam’bora…vam’bora…tá na hora…na hora”. Assim a Vila Mariana acordava. Linda e alegre.

Às 6 horas da manhã chegava de caminhão o leite Vigor no armazém do Seu Nicola na esquina da Rua Áurea com a Av. Rodrigues Alves. O padeiro chegava em seguida com o pão quentinho naquelas cestas de vime imensas e aquele velho boné sobre a cabeça, na sua indefectível bicicleta Bergamo. 

Os primeiros vendedores ambulantes apareciam de todo lado vendendo seus produtos. O “VASSOUREIRO” com vassouras e rôdos, panos de prato, varal e pregador de roupa. O “TINTUREIRO”, que era o japonês da Tinturaria Leão, com a sua perua sempre brilhando, entregando e pegando novas roupas para lavar e tingir. 

O SORVETEIRO de picolé que as crianças adoravam. O “LEITEIRO DE CABRAS”, com as cabras com sinos no pescoço, era ouvido de muito longe; e que vendia leite tirado na hora e que todos compravam, trazendo suas leiteiras de casa para serem enchidas. 

O “BIJOUZEIRO” com aquela matraca que parecia de igreja, ecoando pelas ruas. O “deficiente visual” do Instituto Padre Chico pedindo donativos aos gritos de “padre chicoooooo”, “padre chicoooooo”… E o, não mais famoso, vendedor de roupas velhas, com sua elegância impecável, que berrava aos 4 cantos: “rrrrrrroupaaaaaaaaa véiaaaaaaaa”, rrrrrrrrroupaaaaaa véiaaaaaaa”.

Todos eles eram poéticos e maravilhosos, mas nenhum deles era tão especial como o AFIADOR DE FACAS E TESOURAS que vinha com aquela geringonça que rodava com um pedal e fazia girar o esmeril para afiar. Ele tinha uma gaita de boca de plástico maravilhosa que tirava um som inesquecível para músicos como nós. Ouvíamos todos os dias e adorávamos.

Um dia eu e o Levy pedimos para ele deixar  a gente fazer um som com a gaita, acompanhados da matraca do Bijouzeiro. Ele emprestou a gaita de boca. Foi a conta certa.

Fizemos um show de gaita e matraca em praça pública, sob aplausos da vizinhança. Kkkkkkkkkkkk. Foi um sucesso!

Dali para frente, toda vez que ele passava a gente pedia:“DEIXA EU TOCAR ESSA GAITA DE BOCA, SEU AFIADOR?”