Osmar Barutti
Osmar Barutti começou a carreira profissional aos quatorze anos de idade. É maestro, pianista, arranjador e compositor. Nos últimos 25 anos foi maestro do programa do Jô, que chega ao fim neste mês. Fora da TV, seus planos musicais são muitos!, diz. Pretende avivar suas composições, trabalhar com jovens instrumentistas e até apresentar um programa musical. Vizinho apaixonado pela Vila Mariana, participou da fundação da Associação de Moradores e Amigos da Vila, hoje desativada, e reforça a união como única saída para preservar a região. “Precisamos cogerenciar as políticas do bairro”
Pedaço da Vila: Como você começou sua carreira musical?
Osmar Barutti: A minha carreira como músico profissional começou cedo, aos 14 anos, na cidade de São Caetano, onde eu morava. Eu estudei no conservatório Heitor Villa Lobos e comecei a me apresentar em festas, bares e hotéis. O meu primeiro emprego formal foi no Hotel e Restaurante Peter, na década de 1970. Trabalhei nele por dois anos, todos os dias. Logo em seguida continuei meus estudos, agora na escola Magda Tagliaferro, em São Paulo, que hoje é uma fundação. A Magda foi uma pianista brasileira que teve uma linda carreira na música e se apresentou nas principais salas de concertos do país e do exterior. Ela morava na França e todo ano vinha ao Brasil para dar aula aos alunos de suas assistentes. Eu fiquei nessa escola por sete anos. Logo em seguida eu ganhei uma bolsa de estudo na Berklee College of Music, em Boston, e me mudei para lá. Foram dois anos estudando e me apresentando na noite.
Pedaço da Vila: E como foi ao retornar ao Brasil?
Osmar Barutti: Assim que cheguei comecei a me apresentar em muitas casas de sucesso na época, como a boate Galery. Foi um momento da minha carreira que toquei ao lado de muitos artistas talentosos. Além disso, também voltei a fazer algo que eu sempre gostei, a lecionar. Dava aulas durante o dia e me apresentava na noite. Aqui em São Paulo eu lecionei na Universidade Livre de Música, que era uma escola do estado. Em seguida comecei a participar de alguns programas do SBT, como o do Silvio Santos e do Gugu. Então eu fui convidado a integrar o quinteto do Programa do Jô. Fiquei no SBT durante nove anos e mudei junto com o programa para a TV Globo. Após 25 anos na TV, o programa chega ao fim neste ano.
Pedaço da Vila: Ao longo desse tempo de convivência no programa, o que mais lhe marcou?
Osmar Barutti: O programa sempre teve uma essência muito proveitosa para quem o fazia, para quem participava e para o público. Sempre saímos ganhando alguma coisa, uma ideia, uma nova visão de mundo. Isso foi possível porque o programa não era somente para entreter. Por ele passaram muitas personalidades de diferentes áreas, cientistas, atores, escritores, políticos… Na parte musical, toda semana tocávamos junto com algum convidado, artistas de diferentes estilos. Tive a oportunidade de tocar com Emilio Santiago, Roberto Carlos, Tony Bennett, Ray Conniff, entre tantos outros.
Pedaço da Vila: Com o fim do programa, quais são seus planos?
Osmar Barutti: Eu tenho muito material autoral que ainda não gravei. Quero aproveitar para fazer isso e disponibilizar as partituras. São composições de diferentes estilos, de jazz a músicas brasileiras como baião e choro. Quero fazer algo que sempre gostei muito, que é trabalhar com jovens instrumentistas. E o Brasil tem muitos talentos. Eu também tenho uma ideia que deixei em suspensão, que é fazer um programa de TV sobre música. Meus amigos sempre me perguntavam por que eu não fazia isso. Sempre respondi que o preço do estúdio era muito caro. Mas hoje, com as facilidades da tecnologia, isso barateou. Hoje, com uma câmera é possível fazer coisas impressionantes. Por enquanto são ideias. No momento estamos em fase de despedida do programa, recebendo muito carinho de todos, dos entrevistados, do público e da equipe, que trabalha junta há muitos anos.
Pedaço da Vila: Houve convites para o Jô Soares continuar seu programa em outra emissora?
Osmar Barutti: Sim e também do próprio Sílvio Santos para voltar ao SBT! Mas o Jô não abre mão da plateia para continuar o programa… Talvez tenhamos novidades no ano que vem…
Pedaço da Vila: O estudo da música sempre foi prioridade em sua formação. Como vê essa formação hoje?
Osmar Barutti: Temos excelentes escolas no país. Uma delas é o Conservatório de Tatuí, no interior do estado. Ela reúne professores excelentes e alunos talentosíssimos. É uma escola viva, atuante e atual. Recentemente eu me apresentei com alguns músicos de lá. A escola vinha sendo muito bem administrada durante décadas por Antônio Carlos Neves. Mas recentemente colocaram um diretor de outra área, por indicação política. Desde então a escola ficou elitizada e enxuta. O seu conhecido festival de música era maravilhoso, pois abria um painel sobre a diversidade da música brasileira com convidados de todo o país. A escola já não é agora a mesma. Acontece que quem decide as verbas dessas escolas são os políticos. A gente sempre acaba indo parar na política.
Pedaço da Vila: A tecnologia alterou o modo de se fazer música. Como analisa esse momento em que um Dj recria a partir de outras composições?
Osmar Barutti: Eu não abro mão do estudo formal do instrumento. A pessoa que pega figuras e as junta num aplicativo, ela é artista? Eu penso que não, pois acho que existe uma coisa interna no ser humano que o faz ou não ser um artista. Se você pegar uma música que foi composta há cem anos, ela tem registro, partitura e identidade. Quando você ouve uma música do Tom Jobim, por exemplo, você reconhece aquela obra como sendo dele. A finalidade da verdadeira arte é preservar essa identidade. Quando as coisas ficam plastificadas, iguais, elas perdem essa característica. A pergunta nesse caso é uma: será que daqui a trinta anos você vai reconhecer os autores das músicas que estão sendo feitas hoje? Eu acho que a assinatura autoral do artista anda em falta. Mas eu gosto de uma frase que diz assim: existe ordem no caos. Apesar de toda essa bagunça, as pessoas estão em busca de algo que alimente a alma e que traga esperança e felicidade. Estamos todos nessa busca.
Pedaço da Vila: Quais jovens artistas você acha que têm essa assinatura autoral de que fala?
Osmar Barutti: São muitos. Outro dia eu fui tocar numa festa e apareceu um amigo de um amigo que é cantor na Bahia. Ele se chama Sants e é um excelente músico. Outra cantora que também faz um trabalho autoral é a Flávia K. Tem muita gente boa aparecendo a todo instante. O talento é algo que quem dá é Deus. Acho que nunca iremos passar por uma época sem que tenhamos muitos talentos. E a internet nos mostra isso muito bem, nos apresentando artistas do mundo todo. O que é feito para ser descartável será descartado. E o que é feito para perpetuar irá perpetuar.
Pedaço da Vila: Você mora no bairro há quantos anos?
Osmar Barutti: Eu já morei em três locais no bairro. Quando eu cheguei aqui, em 1988, fiquei dois anos na Rua Borges Lagoa; depois, após dois anos morando nos Estados Unidos, voltei ao bairro, desta vez na Rua Ambrosina de Macedo, onde morei durante 15 anos. Em 2013, mudei para a rua em que estou até hoje, a Albino Rodrigues Costa.
Pedaço da Vila: Você participou de muitas manifestações em defesa do bairro. Acha importante essa militância?
Osmar Barutti: Quando me mudei para o bairro, e nas vezes em que eu me mudei dentro do próprio bairro, eu sempre quis morar numa casa, pois sempre gostei de ter um quintal para os meus cachorros e para cultivar a minha hortinha. Queria um lugar silencioso e sem prédios ao redor. Eu escolhi essa casa onde estou até hoje porque ela tinha tudo isso, qualidade de vida. Mas dois meses depois da mudança começou a construção do prédio da Rua Alice de Castro. Muitos moradores estavam engajados e começamos a nos organizar. Nesse momento o processo de tombamento do Instituto Biológico estava aberto e parado. Então resolvemos dar um grande abraço no prédio para que ele fosse tombado, o que ocorreu logo em seguida. Percebemos que a movimentação das pessoas sempre dá resultado. Não podemos esperar apenas do poder público, precisamos participar.
Pedaço da Vila: Dessa organização nasceu a Associação de Moradores e Amigos da Vila Mariana (AMA)…
Osmar Barutti: Sim. Ao lado de moradores que sempre lutaram em defesa do bairro, entre eles o saudoso Cesar Angelutti, fundamos a Associação de Moradores e Amigos da Vila Mariana, a AMA. Rea-lizávamos reuniões semanais e sempre comparecíamos à câmara, prefeitura, subprefeitura. Essa associação foi muito atuante, com uma diretoria e participação ativa dos moradores.
Pedaço da Vila: Essa associação ainda existe?
Osmar Barutti: Ela foi perdendo a força, pois muitos integrantes se mudaram do bairro. Outros faleceram, como foi o caso do César. Hoje ela não tem mais atuação; eu nunca mais ouvi falar… Essa força coletiva é algo que precisamos resgatar, assim como a consciência de cidadania. O que eu não quero para a minha rua eu também não quero para a outra rua, para o bairro, para a cidade e para o país em que vivo. Não posso me preocupar apenas com o lixo da minha porta.
Pedaço da Vila: Há interesse de resgatar a associação?
Osmar Barutti: É o que precisamos fazer. Os vizinhos precisam se unir novamente, conviver juntos, conversar. Uma associação é um excelente caminho, pois, por meio dela, poderemos ficar ligados em tudo o que está acontecendo nas proximidades. Ela nos fortalece junto aos vereadores, prefeitura, entidades; é uma conversa de igual para igual. Se um morador conversar sozinho junto a um órgão público ele nem é ouvido…
Pedaço da Vila: Como tem visto as transformações no bairro, com muitas casas sendo demolidas e a crescente verticalização?
Osmar Barutti: Pois é, isso está acontecendo. Eu sempre me lembro de algumas pessoas que foram importantes para mim. Uma delas é o arquiteto e professor Candido Malta Campos Filho, autor do livro “Reinvente seu Bairro”. É isso que precisamos fazer: reinventar nosso bairro, pois ele deve ser construído por todos nós. Já percebemos que nossos políticos só querem se aproveitar e se esqueceram para quem trabalha. São pagos, e muito bem pagos, para nos servir, mas parece que ainda não sabem disso. A nossa participação é fundamental. Precisamos cogerenciar as políticas locais. Quando tem algo que está me incomodando eu tenho que batalhar sozinho porque não temos uma associação. Sempre que vejo algo errado no bairro eu entro em contato com o Pedaço da Vila. Temos a necessidade de ter uma associação de moradores para defender o bairro, pois é uma forma de um cuidar do outro e compartilhar o que está acontecendo. Eu, como cidadão, às vezes quero reclamar de alguma coisa e me vejo de mãos atadas. Ter uma associação de moradores atuante é importante para preservar a nossa qualidade de vida, pedir hospitais de qualidade, áreas de lazer, de cultura, escolas, segurança…