LILIAN BABOLIN

O tema não é lá muito agradável, mas é uma questão de saúde pública. A pesquisadora científica – e moradora da Vila Mariana -, pós-graduada no Instituto Biológico, conta por que decidiu pesquisar os roedores urbanos, explica que, com o surgimento das grandes cidades, pouco se sabe sobre ecologia urbana e a dinâmica desses animais dentro da metrópole. Informa que a metodologia existente é para os ratos de floresta e o que está fazendo para descobrir como eles vivem na cidade. E responde tudo o que você queria saber sobre ratos, mas não tinha coragem de perguntar…

Pedaço da Vila: Por que resolveu pesquisar ratos urbanos?

Lilian Babolin: Eu trabalho no Centro de Controle de Zoonoses, em Santana. A zoonose é descentralizada, tem uma em cada subprefeitura. Trabalhei também no Centro de Itaquera. Quando decidi fazer pós-graduação no Instituto Biológico, eu trabalhava com formiga, associada a uma praga de uva. Minha orientadora, Ana Eugênia de Carvalho Campos, me perguntou com o quê eu estava trabalhando na Prefeitura. Respondi que trabalhava com dengue e controle de ratos. Ela me falou: “Olha, dengue muita gente estuda, é muito maçante. O rato é um problemão na cidade e ninguém quer, porque é horrível. Daí ela me perguntou: “Vamos fazer rato?” E eu aceitei, pois era uma maneira de conciliar trabalho com estudo — se eu tivesse que me ausentar, minha chefia não acharia tão ruim. E decidi pesquisar o roedor. O problema é que todos os estudos existentes sobre roedores são de floresta — ecologia urbana é uma coisa muito recente. E o que fazer com o roedor? Tem tanta coisa para fazer… Não sabemos nada sobre ecologia urbana. Conhecemos quais animais existem, mas não como eles funcionam dentro da cidade. Tivemos, então, a brilhante ideia de capturar os ratos. Eu, ainda, trabalhava em Itaquera, e lá tem muitos ratos, são 22 córregos na comunidade. Distribuímos 320 armadilhas em dois períodos: primavera-verão e outono-inverno. Capturávamos os animais e eu trazia para o Biológico — eu vinha de Itaquera para a Vila Mariana com os ratos! Foi o início das pesquisas: descobrir a espécie, se é macho ou fêmea, se é filhote ou adulto, e ter a base da população de roedor. Estudamos qual é a espécie que mais infesta: o rato de telhado, a ratazana ou camundongo? São mais machos ou fêmeas?

P.daVila: Fale um pouco sobre cada uma das espécies…

L.B.: A ratazana vem do esgoto, terreno baldio. Faz sua toca no chão, nos buracos. Geralmente, ela entra nos quintais para comer ração de cachorro. É o rato maior, pode chegar até a 600 gramas. Tem cerca de 12 ninhadas por ano e até uns 10 filhotes por vez. O rato de telhado não é tão grande quanto a ratazana. Ele tem o rabo bem comprido e anda no fio, pelo muro, sobe em telhado, e não frequenta tanto locais com água como a ratazana, que tem membrana e consegue nadar. O rato de telhado é escalador, porque nos primórdios era um rato de árvore, frugívoro, que comia frutas. A cidade se instalou e cresceu, e ele continuou vindo por cima. O camundongo é o pequenininho, o mais comum e mais conhecido. A ratazana e o rato de telhado, geralmente, têm o ninho fora da residência.

P.davila: Como eles se alimentam?

L.B.: A ratazana se alimenta no lixo que as pessoas põem na rua, no terreno baldio, no lixo da beira do córrego. Raramente ela entra na casa porque tem medo das pessoas, tem neofobia, e é muito agressiva. Então, se ela entra é para comer a ração do cachorro à noite e para roer barra de sabão, porque tem gordura. O rato de telhado também é medrosão, faz o ninho do lado de fora e entra na residência para comer as frutas da fruteira e a comida da panela. O camundongo, se você vir dentro de casa, é porque o ninho está lá, já que o raio de ação dele é de três a cinco metros. E sabe onde ele estará? No lugar onde se guarda resto de revista, de livro, dispensa, fogo, forno. Eles são pequenininhos, pesam até 100 gramas. É a espécie que as pessoas mais toleram. À noite, se você come uma bolacha água e sal e caem os farelos no chão, isso para eles é comida.

P.da Vila: E os três transmitem doenças?

L.B.: Os três trazem doenças, principalmente a ratazana, com a leptospirose. As ratazanas vivem em esgotos e a leptospirose é uma doença de veiculação hídrica, que sai pela urina do rato, que vive no rim do rato, mas ele não fica doente. Para se alastrar, essa bactéria precisa de água, condição para propagar mais bactérias. O rato de telhado também é competente e pode transmitir a bactéria. Vamos supor, entrou um rato de telhado na casa e urinou na pia, a pessoa não viu e pode contrair a doença. O fato é menos comprovado cientificamente, já que há mais estudos sobre ratazana do que sobre ratos de telhado, que são muito poucos. A leptospirose é transmitida sempre pela urina do rato. Mas não é porque eu encostei que eu vou pegar. Depende da quantidade de tempo que eu fiquei em contato com essa urina, se tenho algum ferimento que facilite a entrada, a quantidade de bactérias que penetram… São 200 tipos de leptospirose, 200 sorovares, como chamamos cientificamente. As duas cepas de bactérias mais agressivas estão, principalmente, aqui na cidade.

P.daVila: Quais são os sintomas da leptospirose?

L.B.: Eles são muito parecidos com qualquer infecção. Dor no corpo, dor de cabeça e febre. Parece uma gripe, uma infecção comum. Um diferencial é bastante dor na batata da perna, na panturrilha, mas nem todos os pacientes apresentam esses sintomas. Às vezes dá icterícia, o olho fica amarelado, às vezes, algumas manchas na pele, e sangramento pulmonar — as pessoas morrem afogadas em sangue. É uma doença bem agressiva.

P.daVila: Todas as ratazanas apresentam a bactéria da leptospirose?

L.B.: Não. Só ratos que entraram em contato com a bactéria. É como se fosse gripe, só ficamos gripados se houver contato com alguém que transmita o vírus. A partir do contato com a urina contaminada, pode levar de 5 a 30 dias para o início dos sintomas. Então, às vezes passa muito tempo e você não associa, aí o médico diagnostica como uma virose.

P.daVila: Há muitos casos aqui, em São Paulo? L.B.: Sim, mas são subnotificados. P.daVila: Um exame de sangue pode acusar?

L.B.: Sim, e por isso é importante falar para o médico: “Eu limpei o esgoto”, “Eu entrei num córrego”, “Eu caí na água da enchente”, “Eu mexi no lixo”, “Na minha casa entrou um rato”. Ele só vai saber se o paciente falar, pois estar com dor no corpo, com febre, com dor de cabeça, é tratado como qualquer infecção.

P.daVila: Mas esses casos acontecem mais na periferia…

L.B.: Na periferia e com trabalhadores. Quem roça à beira ou às margens do córrego, quem limpa o bueiro… Há uma nova modalidade: o catador de material reciclável, porque onde tem resíduo de alimento tem o roedor, e em veterinários. Geralmente, atinge mais os homens em idade de trabalho.

P.da Vila: Não existe uma vacina?

L.B.: Tem para cão, mas não para o humano. Dizem que esta vacina poderia ser adaptada para humanos, mas ainda não há estudos…

P.daVila: O rato pode transmitir mais alguma doença?

L.B.: Sim, um verme chamado “capilária hepática”. A maioria dos ratos capturados estava com essa infestação no fígado, e ela pode ser passada para o humano. Um verme que fura todo o fígado… Capturamos bastante rato de telhado com esse verme, pegamos pouca pulga, apenas em um rato. Ácaros todos tinham bastante, ácaro dá alergia. Só um rato-de-telhado deu positivo para leptospirose; os outros que eu coletei não tinham.

P.daVila: Em bairros como a Vila Mariana, com seus córregos canalizados, há perigo?

L.B.: Pode ser que sim. Geramos muito lixo. Se você olha um prédio no dia que passa o lixeiro, a quantidade de sacos que tem ali… O povo joga muito lixo na rua. Onde tem muitos restaurantes e lanchonetes, geralmente têm muitos roedores. Então, não estamos livres…

P.daVila: Por mais que você dedetize, não tem como combatê-los?

L.B.: É uma questão de mudança de comportamento. Por exemplo, os ratos adoram ração de cachorro, e as pessoas costumam deixá-la à noite. Se não retiram, os ratos aproveitam para se alimentar. Eles gostam também da ração de pássaro, entram à noite na gaiola para comer a ração e o pássaro, também! Portanto, onde tem água, acesso, abrigo e alimento, os ratos ficam!

P.daVila: A população do rato de telhado é maior do que a da ratazana?

L.B.: Sim. Essa espécie, a mais infestante, se adaptou à cidade porque pode subir, escalando. Então, consegue se adentrar mais e tem condições de se livrar dos predadores. A Prefeitura faz desratizações periódicas, só que como ela não pode desratizar dentro das residências, faz desratizações em logradouros públicos. Então, como a ratazana vive na margem de córrego, no bueiro e no terreno baldio, acabou-se matando mais ratazanas do que rato de telhado, e ele acabou se sobrepondo, pois vive próximo às residências.

P.daVila: Você capturou muitos ratos para sua pesquisa?

L.B.: O rato de telhado consegui pegar dezesseis. É só uma amostragem. É que essa metodologia é de floresta, não existe uma para a cidade, ainda. E tive que adaptar, mas é bem difícil porque, como eu disse, o rato de telhado e a ratazana são muito medrosos; eles não vão cair numa armadilha de um dia para outro. Eu deixei por 15 dias e eles não entravam. Para ter sucesso, teria que deixar meses, mas as pessoas não permitiriam, pois é dentro da casa delas. A minha isca era a ração, mas o pessoal trocava e colocava queijo. Não pegou; eles gostam mesmo é de ração de cachorro e de gato. Eu peguei alguns ratos com milho verde, semente de girassol para alimentar passarinho… Na Paraíba, numa praia urbana de João Pessoa, está acontecendo um problema devido aos ratos de telhado, que desenterram e comem os ovos das tartarugas, na época da desova.

P.daVila: E as mordidas de rato?

L.B.: Podem passar tétano, hepatite etc., mas não transmite leptospirose. São muitos casos na periferia…

P.daVila: E a peste negra, a bubônica, ainda há casos?

L.B.: Mais no Nordeste. A peste é transmitida pela pulga do rato. A maioria das doenças precisa de um vetor, de alguém que transporte para outra, já que um vírus ou uma bactéria não vai conseguir chegar sozinho. Para contrair a peste, por exemplo, a pulga pica o rato que tem essa bactéria no sangue e daí essa pulga pica uma pessoa e transmite a doença. No Nordeste ainda há epidemias de peste e de tifo. Aí tem que desratizar para matar os animais, só que as pulgas ficam, e aí, na sequência, tem que matar as pulgas. Para a peste negra tem vacina, só que as pessoas não aderem, porque devem tomar várias doses, e a cobertura dela é por pouco tempo. Tem que se vacinar sempre.

P.daVila: Então, essa proliferação de ratos acontece devido ao lixo?

L.B.: Principalmente! E onde há abrigos, também; como, por exemplo, caixas de telefone na rua, em carros parados…

P.daVila: E em edifícios? O rato do telhado pode se alojar nos apartamentos?

L.B.: Ele pode escalar até 50 metros, então ele pode entrar, sim. Eu já ouvi relatos de essa espécie ter entrado no 2.º e 3.º andar. Nos condomínios existem jardins e lixeiras. Então, pode ter certeza de que há ratos, também. O rato de telhado faz sempre o mesmo circuito, e para descobrir se ele está próximo, observe se há fezes: as de ratazana lembram um caroço de azeitona. As do rato de telhado são menores, mas têm forma de meia-lua, parecem uma foice e confundem-se muito com as fezes de lagartixa, só que as de lagartixa têm um pontinho branco. E as fezes do camundongo são bem pequenas, às vezes podem ser confundidas com as de baratas.

P.daVila: Há indícios de inteligência nos ratos?

L.B.: Sempre… Mamífero é muito inteligente. São sociáveis, vivem em colônias, com até dez indivíduos. Há um líder e toda uma hierarquia social. O grande problema deles são as fêmeas! A expulsão de jovens machos é por causa das meninas. Capturei muito mais jovens no outono-inverno. Geralmente, quem cai primeiro nas armadilhas, segundo a literatura, são os machos adultos, porque são líderes e eles são os primeiros a vistoriar o local por alimento. Só que o animal que peguei era um jovem. Provavelmente porque o adulto estava ocupado nas atividades sociais, protegendo a fêmea. Minha pesquisa foi sazonal, de acordo com as estações do ano, para ver se existem diferenças entre as estações. Pesquisei as espécies mais abundantes, a razão sexual, a estrutura etária, de acordo com as estações do ano. Na primavera-verão, eu peguei mais fêmea, provavelmente porque os machos jovens foram expulsos da colônia para que os machos adultos conseguissem as fêmeas. É quando acontece a procriação e, por isso, há mais machos jovens no outono-inverno. Então, eles têm toda uma organização. Vou dar um exemplo da inteligência desses animais: as pessoas usam chumbinho para matar os ratos, que é um inseticida agrícola, não é raticida. É usado na agricultura e é fatal. Na América Latina, é conhecido como “Três passitos”. Você come, dá “três passitos” e morre. Se você faz uma isca com chumbinho, o rato não vai comer e morrer? Vai. Só que numa colônia com 10 indivíduos, os outros veem que o macho líder comeu e morreu, e os outros ratos nunca mais vão comer esse tipo de isca na sua casa. Você pode colocar flores, perfumes… mas nunca mais! O rato associa a morte com a isca e, para repor o que morreu, a fêmea entra no cio, repondo mais dez ratinhos. Com chumbinho, você mata um, mas ganha dez!

P.da Vila: Dê algumas dicas para evitar os ratos.

L.B.: Eliminar os quatro “As”: o Acesso, o Abrigo, o Alimento e a Água. Os roedores saem à procura de alimentos, começam suas atividades três horas depois do pôr do sol. Então, se você já viu rato passando na sua residência, depois do pôr do sol, feche tudo: a janela, a porta, aquele vãozinho entre a porta e o chão… Use aquele rodinho para vedar a porta para ele não entrar. Evite o acesso, porque ele vai ver que está difícil de entrar e irá embora. Não deixar alimento disponível. Ração de cachorro tem que tirar à noite, porque cachorro não precisa comer à noite. A água dele você só deixa dentro de casa. Também cuidado com a ração de pássaro, senão ele entra na gaiola e come a ração e o pássaro! Não deixe exposto, com fácil acesso, sabão em pedra, frutas nas fruteiras e louça na pia, à noite. São coisas que você pode fazer para evitar a presença de ratos dentro de casa. Guarde a comida na geladeira. Lógico que se você sabe que o lugar onde você mora não está infestado, nunca entrou um rato, não precisa ter tanta preocupação, mas se você viu um rato no telhado ou no seu quintal, tem que se cuidar.

P.daVila: Nas ruas vemos muito rato…

L.B.: Sim, eu moro na rua dos Otonis e já vi passar. Se você diminui a oferta de alimentos, eles reproduzem menos. Não vai acabar, mas dá para diminuir bastante para que fiquem restritos a apenas a alguns locais.

P.daVila: Se fizermos uma conta, se são 12 ninhadas por ano, de 10 ratinhos… Cada rato tem 120 filhotes/ano! Isso quer dizer que, ou você se cuida, ou ele te vence?

L.B.: No mínimo, 120 filhotes por ano! Para vencê-los, os venenos disponíveis no mercado ideais são os anticoagulantes, que causam hemorragias nos roedores. Faz-se uma isca com esse raticida, vendido no mercado e em cuja caixinha está escrito anticoagulante. O rato come e não morre na hora, ele sofrerá hemorragias ao longo dos dias, demorando de 7 a 10 dias para morrer. E os outros ratos da colônia não associam a morte dele com o que ele comeu sete dias atrás. Assim, conseguirá pegar todos os ratos da colônia, matar todos. O problema é que a população quer ver o rato morrer, então prefere o chumbinho, porque mostra que morre na hora. Só que, na verdade, deste jeito está aumentando o número de ratos. O veneno principal no momento é o anticoagulante, mas a 1.ª geração dele já gerou resistência e hoje não mata mais. O da 2.ª geração, na Europa já está tendo resistência. Vamos estudar se isso está ocorrendo aqui também. Mas é a forma mais resistente para exterminá-los, fora as ações de manejo. A Europa tem um problema sério com roedores… Inglaterra, Holanda são países muito antigos, com canais, porões, metrô. Lá tem muito roedor e já está aparecendo resistência para a 2ª geração de venenos que são muito novos, da década de 1950.