Jorge Vespero Garcia
Há quinze anos Jorge Vespero Garcia criou o primeiro bloco de Carnaval do bairro, o Amigos da Vila Mariana. O que começou como brincadeira entre vizinhos cresceu e hoje mais de 5 mil foliões desfilam pelas ruas do bairro. Desde então, a festa de rua na cidade tornou-se um negócio lucrativo. É sobre as mudanças ocorridas com a oficialização do Carnaval pela prefeitura, o crescimento dos pequenos blocos, as novidades do próximo desfile pelo pedaço e os impactos que a região pode sofrer com a chegada de blocos gigantes, como o do Alceu Valença, no Ibirapuera, são os assuntos desta entrevista
Pedaço da Vila: Como foi criado o primeiro bloco do bairro, Amigos da Vila Mariana, que completou quinze anos em 2016?
Jorge Vespero Garcia: O bloco nasceu na mesa do Seis e Meia, antigo boteco da Rua Vergueiro. Ali era o ponto de encontro dos amigos depois da aula. Nós já gostávamos de tocar bateria e tínhamos um grupo de samba. Numa dessas conversas no bar surgiu a ideia de criarmos um bloquinho de Carnaval. Em pouco tempo escrevemos um samba-enredo e saímos em desfile pela Rua Vergueiro. Era um bloco só de amigos e moradores do bairro. A primeira concentração ocorreu na Vergueiro, depois migrou para o Largo Ana Rosa, em seguida para a Rua José Antônio Coelho. Nosso desfile era todo improvisado até então. Em 2005 isso mudou. Foi quando o bloco teve um grande salto em número de participantes. Logo depois mudamos a concentração para o ponto em que estamos até hoje, na Rua Pelotas. Hoje o bloco conta com doze amigos na diretoria, todos moradores, frequen-tadores e apaixonados pelo bairro. Por isso o nome Bloco Amigos da Vila Mariana, ele é feito pela vizinhança!
Pedaço da Vila: O Carnaval de rua de São Paulo passou a ser organizado pela prefeitura. Isso mudou a produção dos blocos de rua?
Jorge Vespero Garcia: O primeiro decreto, há 2 anos, além de dar as diretrizes para o movimento de Carnaval de rua na cidade de São Paulo, outorgou à prefeitura o direito de organizar o evento. O decreto fez com que muitos blocos saíssem da clandestinidade, e os pequenos passassem a ter a mesma estrutura de outros blocos — algo que foi muito bom. Com a oficialização, a prefeitura nos isentou da taxa, em torno de 750 reais, e garantiu os banheiros químicos. Em contrapartida, contudo, ela pode explorar a captação de patrocínios do evento, e, a patrocinadora oficial, sempre uma grande cervejaria, tem a prioridade. Isso nos limitou a captar recursos, o que prejudicou os blocos. Se eu fechar hoje um patrocínio para o meu desfile de 2017, não tenho garantia de que poderei fazer um bom trabalho para a empresa que me ajudou, pois vai depender da patrocinadora oficial, que também credencia ambulantes no desfile, criando uma concorrência interna. Diante da forma como foi organizado, o que a prefeitura nos oferece — isenção e banheiros químicos — parece muito pouco… E ainda, o que acontecer nos desfiles é de responsabilidade dos blocos, não da prefeitura.
Pedaço da Vila: O sucesso do Carnaval de rua deste ano surpreendeu a todos, inclusive a secretaria de cultura…
Jorge Vespero Garcia: E se mostrou um bom negócio: 35% do valor do Carnaval de rua são pagos pela iniciativa privada. Um estudo do ano passado revelou que, na semana de Carnaval, a eco-nomia da cidade movimentou mais de 400 milhões de reais e seu custo foi de 10 milhões, apenas. Foi muito mais lucrativo que o Carnaval do Sambódromo, que teve um investimento de 40 milhões e um retorno de 250 milhões. É interessante observar quem participa do Carnaval de rua na cidade: 98% dos mais de 1,5 milhão de foliões são formados pelos próprios munícipes — o que mostra que o Carnaval de rua tem um potencial gigantesco. Não é ainda um evento que traz muitas pessoas de fora da cidade, como acontece no Rio de Janeiro e em Salvador. O nosso Carnaval de rua tem muito para crescer!
Pedaço da Vila: Você é o diretor de Relações Públicas da União dos Blocos de Carnaval de Rua do Estado de São Paulo, a UBCRESP, fundada há dois meses. Essa associação nasceu com qual finalidade?
Jorge Vespero Garcia: A UBSCRESP foi criada para representar os pequenos e médios blocos da cidade. A ideia é fortalecê-los para captar recursos junto à iniciativa privada e para ter voz diante do poder público. Até o momento ela conta com cinquenta blocos de Carnaval. Como a prefeitura começou a definir regras para o Carnaval, sentiu-se por parte dos blocos a necessidade de criar essa União. Nossa proposta é promover um evento mais responsável, ao buscar parcerias com empresas que atuem de modo sustentável e ajudem trabalhos sociais. Num único dia de desfile deste ano foram coletadas 60 toneladas de lixo pela cidade. É muito! Melhorar essa parte do desfile, com projeto de reutilização de resíduos, é um dos focos da União. Além de ajudar financeiramente os pequenos blocos, todos integram uma rede de trabalho social. Ao invés de vender as camisetas, que serão dadas pela União, os blocos irão trocá-las por alimentos não perecíveis que serão doados a alguma instituição beneficente escolhida.
Pedaço da Vila: Neste mês foi publicado o edital de chamamento público para a licitação do Carnaval de rua de 2017. Qual a sua avaliação sobre ele?
Jorge Vespero Garcia: O edital foi lançado sem que ninguém fosse avisado e pouca coisa foi alterada em relação ao anterior. Queríamos debatê-lo para rever alguns ítens… Criaram uma comissão de Carnaval composta por membros da secretaria de cultura sem avisar ninguém. O custo do desfile é muito grande. Neste ano, o desfile do Bloco Amigos da Vila Mariana custou 20 mil reais: fizemos camisetas, alugamos carro de som, gradil, cavaletes, cones, fitas zebrada; contratamos seguranças e ambulância… Se tivéssemos ajuda da iniciativa privada seria bem mais fácil.
Pedaço da Vila: Neste ano, o Carnaval da região recebeu blocos gigantes como o do Alceu Valença e o Monobloco…
Jorge Vespero Garcia: Quando a subprefeitura de Pinheiros proibiu os grandes blocos de desfilarem lá, eles então escolheram a região do Ibirapuera, concentrando-se no Obelisco. Estavam previstos para chegar quatro blocos grandes no bairro, o Bangalafumenga, Sargento Pimenta, Monobloco e Alceu Valença. Assim que fomos informados sobre essa mudança, numa reunião na subprefeitura da Vila Mariana, nos posicionamos contra imediatamente. O nosso Carnaval é de bairro e não queremos trans-formar a Vila Mariana numa Vila Madalena. Caso aconteça alguma confusão nesses blocos grandes quem pagará o preço seremos nós, que já estamos aqui. O que nos ajudou foi que, no ano passado, a subprefeitura publicou um decreto em que dá preferência aos blocos dos moradores e, só por isso, os blocos grandes que começarem a desfilar no bairro precisam respeitar essa prioridade — que é nossa! Foi o que aconteceu com os dois grandes blocos que desfilaram este ano no Ibirapuera: o Monobloco e o Alceu Valença. Conversamos e eles foram muito atenciosos e respeitosos quanto aos nossos posicionamentos, ouvindo e nos ajudando bastante. Para a subprefeitura era interessante ter esses grandes blocos para ganhar visibilidade, mas, para a gente, dos blocos daqui da Vila Mariana, e também para os moradores, não é interessante. Ainda não temos a definição de que, além desses dois, virão outros blocos grandes em 2017, pois, a grande preocupação que temos é que a Avenida Pedro Álvares Cabral se transforme numa passarela de blocos. Não queremos que isso aconteça!
Pedaço da Vila: Outro bloco grande que desfilou no bairro, na Rua Vergueiro, foi o do Sidney Magal. Ele vai continuar a desfilar no bairro?
Jorge Vespero Garcia: Ele não foi legal… Montaram um trio elétrico que não apresentava segurança nenhuma, pois, ao fazer uma curva, ele quase tombou, deixando todos apreensivos. Não podemos correr esses riscos. O desfile do Bloco do Magal, no bairro, precisa ser reavaliado, pois a estrutura não foi adequada. Não tinha banheiro suficiente e muitos vizinhos recla-maram de foliões fazendo xixi na rua, das brigas e do lixo pelo caminho. Não é esse tipo de Carnaval que queremos na Vila Mariana — o nosso Carnaval é da paz, da família. E ainda acabou engolindo um bloco local, o do Pedal.
Pedaço da Vila: Como você avalia o desfile dos blocos da Vila Mariana deste ano?
Jorge Vespero Garcia: Esse ano o Carnaval de rua teve uma visibilidade muito maior, pois, como disse, ele está crescendo muito e se diversificando. A evolução se deu tanto na organização como na projeção do evento, como uma manifestação cultural. A cada ano aparecem novos blocos. Os Amigos da Vila Mariana é primeiro bloco fundado no bairro — hoje temos mais de dezoito. Neste ano arrastamos em torno de 5 mil foliões. A nossa estimativa é a de que esse número chegue a 10 mil em 2017. É bacana ver a quantidade de blocos sendo criados a cada ano. Isso é muito bom. A pessoa não precisa atravessar a cidade para pular Carnaval; ela pode aproveitar a folia no seu próprio bairro, com a sua família e seus amigos. A Vila Mariana é a terceira subprefeitura de São Paulo que concentra o maior número de pessoas em seus desfiles, atrás da Sé e de Pinheiros.
Pedaço da Vila: Num Carnaval de rua que cresce a cada ano, quais os projetos eexpectativas do Bloco Amigos da Vila Mariana?
Jorge Vespero Garcia: Estamos num momento de definir algumas mudanças no desfile e na formatação do bloco. A concentração será no mesmo local, na Rua Pelotas. Pode ser que o caminho do desfile de 2017 seja alterado. Queremos aproximar o bloco ainda mais dos moradores; estamos pensando em criar um espaço para as crianças. Essa característica de bloco de bairro, que o Amigos da Vila Mariana traz desde a sua criação, é o que nos move. A boa notícia é que o nosso kit de camiseta, caneca e cerveja cairá para menos da metade do valor deste ano, que foi de 45 reais. A nossa ideia é buscar parcerias com a iniciativa privada para que possamos dar esses kits aos foliões, o que não conseguimos fazer ainda. Estamos estudando as estratégias para o próximo Carnaval. Com esses blocos grandes, muitas pessoas migraram para o nosso. Esse é um ponto que estamos estudando, pois, neste ano, eu esperava em torno de 3 mil pessoas e foram 5 mil! Se eu não tiver uma infraestrutura de apoio será mais fácil aparecer problemas, pois a maioria das pessoas já chegam embriagadas. Outro aspecto que queremos trabalhar é a parte de ações sociais em nosso desfile.
Pedaço da Vila: Quais tipos de ações sociais?
Jorge Vespero Garcia: O aspecto social sempre esteve muito presente no Bloco Amigos da Vila Mariana. A nossa bateria é composta por alunos de um projeto social do mestre Pedrinho. Ele mantém o projeto chamado Aprendendo com o Samba, no balneário da Rua Lins de Vasconcelos, no bairro do Cambuci. Voluntariamente, ele ensina crianças do entorno a tocar diferentes instrumentos. Muitos alunos são de uma ocupação vizinha. O projeto atende hoje em torno de 80 crianças. O bloco ajuda com instrumentos e o que mais estiver ao nosso alcance. Por outro lado, junto com a UBSCRESP, queremos trabalhar programas sustentáveis em nosso desfile, como coleta seletiva e promover a reciclagem dos resíduos. Neste ano não fizemos uma ação nesse sentido e queremos agora fazer esse trabalho de conscientização.
Pedaço da Vila: Uma das marcas do Bloco Amigos da Vila Mariana é o samba-enredo, reconhecido como um dos melhores da cidade. Dá para adiantar alguma coisa sobre o tema do ano que vem?
Jorge Vespero Garcia: A gente sempre compõe um samba-enredo inspirado nos principais acontecimentos políticos propagados pela mídia que marcaram o ano que passou. Dessa vez não temos para onde fugir, já temos bastante assunto (risos). Teve o impeachment, muitos escândalos de corrupção… O nosso samba-enredo é criado entre uma cerveja e outra na mesa do bar. Ele sai de uma maneira muito espontânea. A gente costumava criar o samba-enredo em janeiro. Mas agora, como já estamos buscando parceiros para o Carnaval, iremos adiantá-lo, assim como a arte que estampará a camiseta do desfile de 2017, feita pela artista Thais Daniele, também moradora do bairro. Como já aconteceu muita coisa até aqui, temos muito assunto para o samba-enredo do ano que vem. Como sempre, será irônico, engraçado e com muitas homenagens!