Eymard Bertho Ferreira Jr.
O delegado titular da 36a Delegacia de Polícia informa as ocorrências mais comuns do bairro, descarta a possibilidade de que os assaltos que estão acontecendo no pedaço sejam culpa dos moradores da favela Mário Cardim, e indica como a coragem pode ajudar a polícia, convidando a comunidade a participar do Conseg – Conselho de Segurança Paraíso/Vila Mariana
Pedaço da Vila: Quais são os principais tipos de ocorrência na região?
Eymard Bertho Ferreira Jr.: Acidentes de trânsito acontecem com muita freqüência, algumas vezes com lesão corporal. Há furtos e roubos de automóveis e de interior de veículo.
P.daVila: E os assaltos na rua, muito comuns atualmente no pedaço?
E.B.B.J.: Esses são crimes sazonais. A polícia intensifica a ação em determinado lugar, aí os ladrões migram para cá. O bairro tem um grande afluxo de bares, faculdades. O motoqueiro que deveria ter uma legislação um pouco mais rigorosa, mas não tem, acaba junto com o garupa, armado ou não, fazendo com que a pessoa que esteja no veículo se apavore e entregue seus pertences como carteira e celular. O mesmo acontece com quem esta caminhando, que está com seus pertences, bolsa ou algo mais chamativo. Aí quando ocorre a polícia vai, faz a autuação, e tira essa pessoa da rua. Logo em seguida vem uma outra.
P.daVila: As pessoas fazem o Boletim de Ocorrência, nesses casos?
E.B.B.J.: Algumas. É uma questão de cultura. Pessoas, em geral, às vezes em desarmonia consigo mesmo ou não acreditando mais em coisa nenhuma, acabam deixando para lá. Isto atrapalha a polícia e a sociedade, pois o registro de quem foi assaltado faz com que toda a sociedade fique alerta e se movimente, tendo consciência que o seu modo de vida deve ser modificado. E aí quando começa a ser feito um trabalho de divulgação acentuado de repressão, é possível ter todas as polícias voltadas para o fato. E ainda mais, é possível ter uma rua policiada por câmera, um monitoramento e uma atividade policial mais certeira. P.daVila: A instalação de câmeras em ruas e con-domínios é a melhor maneira de coibir delitos? E.B.B.J.: É uma das formas, porque não se pode apenas confiar na câmera e é a ação que vai coibir efetivamente o criminoso. A câmera em si vai fazer uma inibição aparente. Se o autor do crime ataca e não acontece nada, ele vai também desacreditar das câmeras. A câmera deve ser seguida do aparato policial para que se possa fazer a prisão daquela pessoa. A câmera permite que se observe a ação. P.daVila: Mesmo em ruas escuras, um problema sério aqui no bairro?
E.B.B.J.: Hoje em dia existem câmeras de alta resolução, infravermelho, que dá pra ver até onde você não imagina. E mais, ela pode, com os artifícios do zoom, trazer um lugar de 300 metros para o seu lado. Então dá para acompanhar toda a ação e avisar uma equipe ou duas para que possam proceder a um cerco. Tudo isso, desde que o ambiente daquele crime esteja ‘maquiado’, ou seja, devemos ir por essa ou para aquela rua para que possamos fazer o bloqueio da ação. Assim, as vias estarão totalmente bloqueadas.
P.daVila: O que a gente percebe é que as pessoas estão contratando muita segurança para proteger edifícios, comércio…
E.B.B.J.: Você tem hoje um escape que é a empresa especializada, capaz de planejar qual seria a melhor segurança para você em determinado local. O condomínio tem um perfil, o apartamento tem outro, a rua tem outro. No entanto, todos eles possuem a dependência do homem. Então tem que ter uma segurança um pouco mais inteligente para que motive o homem a observar as ações que estão ocorrendo no entorno do local.
P.daVila: Os seguranças podem ser tão perigosos quanto os bandidos?
E.B.B.J.: Aí que está o grande ponto. Este homem poderia ser, por exemplo, o informante de detalhes daquele condomínio, ou daquela rua, dizendo qual é o melhor caminho para a ação. Eu aconselho a não trocar aquele rapaz que já está trabalhando no local há 20 anos, que é um túmulo, tem uma família bem formada, que não precisa provar mais nada pra ninguém. Se não, você acaba contratando outra pessoa por causa de salário ou por antipatia e acaba trocando o bom por algo que vai te prejudicar.
P.daVila: Queria que o senhor me falasse sobre a favela na rua Dr Mário Cardim. A polícia tem controle?
E.B.B.J.: Nela existem pessoas do bem e do mal, como em todos os lugares. Cabe a nós extinguir as más com sabedoria e entender como isso se passa. Extirpar de forma inteligente, usando a polícia para poder sacar essas pessoas e fazer com que a favela, que já está integrada, possa se integrar mais a esse espírito de bairro. Porque aqui é um bairro onde o espírito das pessoas é bom – 99.9% das pessoas do bairro são boas. A polícia não pode endereçar de forma truculenta um assunto dessa ordem. Nós temos que ter a sabedoria e inteligência de nos integrar à favela, para que possamos captar os alienígenas do mal. Isso porque eles acabam às vezes de forma transversa fazendo com que as pessoas ali recebam alguma coisa que o Estado estaria devendo. Então nós precisamos suprir isso. Não podemos fazer com que este lado mal se torne para os moradores da favela o bem. Por que assim nós, a sociedade, ficamos como os maus da história. O que eu entendo é que a favela existe, ela é um problema, porque nós ficamos afastados do problema maior que é o que acontece dentro dela. Então quando nos fugimos e fechamos os olhos para isso, fica mais fácil coibir, ou seja, você vai lá e por ações coloca as coisas nos eixos, quando na verdade o certo não é isto. Você tem que fazer um estudo, ver pontualmente todos os problemas do lugar e verificar como eles poderão ser sanados. Depois, propor o saneamento de todos os problemas de forma conjuntural. Tudo é um conjunto. Não adianta sanar apenas metade, pois assim nós nunca vamos ter uma caixa de laranja aproveitável. Nós precisamos ter a consciência de que os moradores da favela tiveram uma vida diferente e precisamos encontrar na diferença formas para poder integrar estas pessoas a uma realidade. Assim você não salva a favela, mas a sociedade. Salva as pessoas que estão lá para que elas sejam integradas. A sociedade não pode ter preconceito, pois só assim os moradores da favela poderão caminhar com a cabeça erguida e a auto-estima revigorada.
P.daVila: Então o senhor quer dizer que falar, como é comum, que a culpa é da favela é puro preconceito?
E.B.B.J.: O que eu penso é que devemos fugir de qualquer tipo de preconceito. O preconceito não vai nos levar a lugar nenhum. Se for possível dar a essas crianças uma oportunidade de emprego e uma oportunidade de vida, com certeza eles por si só farão a parte deles.
P.daVila: O projeto Pró Qualidade de Vida, ligado à reitoria da Unifesp, realizou um levantamento na comunidade da Mario Cardim e descobriu que é mulher a chefe de família na grande maioria das casas…
E.B.B.J.: Na verdade quando você observa isso, você nota que a cabeça da família é mulher. O Brasil tem passado muito pela irresponsabilidade do homem. Pecamos pela paternidade irresponsável. Por isso, o controle da natalidade é muito importante. Eu acho que nós devemos ter o controle da natalidade, o aborto praticado por única e exclusiva vontade da mulher. Acho que é a mulher que deve ditar a hora ou quando vai ter a criança.
P.daVila: Há brigas de vizinhos que viram caso de polícia na Vila Mariana?
E.B.B.J.: Eu acredito que brigas de vizinho são fases do ambiente. Se a gente nota que o vizinho está se irritando muito fácil com outro vizinho, sabemos que aquilo não vai dar coisa boa. É uma questão de tempo. E se com o tempo juntar duas, três pessoas com aquelas rusguinhas na mesma época, obviamente vai explodir essa loucura mais ali na frente. Não tem como mudar isso. Nós temos um bairro extremamente lotado de edifícios. Então a pessoa já mora meio estressada, passa por diversos fatores que podem deixá-la ainda mais nervosa durante o dia. Aí chega em casa e o vizinho também não o agrada, o que já é o suficiente para causar uma briga.
P.daVila: O sr. participa do Conseg?
E.B.B.J.: Já participei de todas as reuniões depois que assumi, há três meses. O Conseg é um veículo importantíssimo. Ali tem representantes da Prefeitura, da Guarda Civil Metropolitana, da Polícia militar, do CET, e o titular da 36a DP e de todas as bases sociais do bairro. Posso dizer que o Conseg da região é organizado, ele dá chances de que todos participem.
P.daVila: Então, o caminho mais eficaz para os problemas da comunidade é participar das reuniões do Conseg, toda última terça-feira do mês, às 20hs, no Instituto Biológico?
E.B.B.J.: Sim. É um espaço para se resolver não só problemas de segurança, mas até problemas de ordem social. A alma do negócio é esta: a partir do momento em que você começa a reclamar e encontra duas vozes, três vozes, enfim, várias vozes reclamando da mesma coisa, a vida começa ficar diferente. E é assim que a sociedade pode ajudar a polícia: freqüentando o Conseg, contando suas angústias, conhecendo as angústias dos outros. Trazendo o problema e organizando-se para resolvê-lo. Este mundo só funciona com coragem!