CARINA LUCINDO

Depois de ser abordada por um representante de uma construtora e ver seus vizinhos serem vítimas de pressões e intrigas por parte deste profissional, a tradutora e ativista ambiental decidiu não deixar por menos e lutar para proteger o seu e todos os quintais da Vila Mariana. Além de um abaixo-assinado, criou um blog para conscientizar e mobilizar os moradores em defesa da preservação do bairro. A sua dedicação à causa valeu notícia na imprensa e a entrevista a seguir, em que ela conta toda essa história

Pedaço da Vila: Fale um pouco sobre você.

Carina Lucindo: Sou tradutora, formada em Letras. Atualmente, trabalho em um escritório de advocacia e, em paralelo, sou uma ativista e me interesso muito por assuntos ligados ao meio ambiente e à sustentabilidade. Tenho um certificado de design em Permacultura, que é um conjunto de técnicas voltadas a uma vida mais sustentável. A Permacultura trata as plantas, os animais, as construções, a infraestrutura (água, energia e comunicações) não apenas como elementos isolados, mas também como sendo todos partes de um grande sistema intrinsecamente relacionado. O método defende a reconexão do homem com a natureza, e nos ensina a fazer parte dessa teia para reverter a tendência do distanciamento da natureza.

P.daVila: O que levou você a criar um blog contra a verticalização do bairro?

C.L.: Tudo começou quando, por volta de junho ou julho deste ano, recebi uma visita inesperada de uma pessoa que se identificava como representante de uma construtora. Ele informou que todas as casas por aqui já haviam sido vendidas e que só faltava a minha. Disse que seria construído um prédio no lugar das casas. Meu marido respondeu que nós vivíamos de aluguel e, por sermos inquilinos, não podíamos responder pela casa. A partir de então, ninguém entrou mais em contato conosco e, neste momento, estamos neste limbo de não saber o que acontecerá.

P.daVila: E esse representante abordou outros vizinhos?

C.L.: Sim. Logo depois que fomos procurados, outros vizinhos também foram abordados. O fato teve muita repercussão entre os moradores; foi muita pressão, um ambiente agressivo – uma sensação de não ter escolha…  Eu tinha acabado de fazer um curso de Permacultura, nos Estados Unidos, e voltei muito animada para ter a minha própria horta – meu quintal tem uma área ampla para isso. Porém, certo dia, eu estava trabalhando na terra, quando me veio o seguinte insight: “O que adianta estar aqui, plantando, se a qualquer momento podem acabar com tudo. Derrubarão todas as árvores para construir mais um prédio?!” Foi quando minha vizinha, também inquilina, e eu tivemos a ideia de fazer algo para mobilizar as pessoas. Fizemos um abaixo-assinado e eu criei o blog.

P.daVila: O blog teve repercussão?

C.L.: Em geral, nós recebemos muito apoio da vizinhança, todos estão mobilizados. Todo mundo sabe o que acontecerá, se a especulação for adiante: perda do sol, barulho, o transtorno das obras, a questão da privacidade etc. etc. etc.

P.daVila: Qual é o perfil desses representantes de construtoras?

C.L.: Meu marido e eu tivemos pouquíssimo contato com eles – na qualidade de inquilinos, não somos interessantes a eles. O que sei é que fazem visitas quase diárias às pessoas que estão na dúvida sobre a venda dos imóveis, e que usam táticas abjetas, de muita pressão e intrigas: para um morador falam uma coisa e para outro, dão outra versão. Costumam usar do argumento de que tudo foi vendido e de que não adianta nada a pessoa querer ficar em sua residência isolada no meio de prédios. Para se ter uma ideia, um proprietário estava na dúvida sobre a venda de sua casa, já que tem uma relação afetiva com o imóvel, herança de família, onde reside desde criança. Ele foi tanto abordado e perturbado por um representante, que o expulsou de sua casa!

P.daVila: Você usou, como base, alguma lei ou medida, para ter segurança na hora de escrever a carta e criar o blog?

C.L.: Lei é algo muito complicado, visto que sempre há brechas. Como leiga, eu investiguei e descobri que o Plano Diretor Estratégico em vigor prevê uma Vila Mariana já saturada. Acontece que o Plano Diretor é permissivo e diz que, se a construtora pagar um valor a mais – der uma compensação -, a construção pode ser autorizada, com certos limites para isso. Estou atrás de assessoria jurídica, pois a Lei de Diretrizes e Ocupação de Solo tem muitas brechas. Embora a Vila Mariana esteja enquadrada nesse contexto, a resposta que tive da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, por meio da coluna “São Paulo Reclama”, do jornal O Estado de S. Paulo, é que se pode construir aqui na região um coeficiente de duas a 2,5 vezes o tamanho do terreno. E não é o que está ocorrendo. Existe um prédio na esquina da minha casa, na rua Carlos Petit (onde era a Pizzaria Livorno), que é enorme e de maneira alguma tem essas proporções.

P.daVila: Você pesquisou quais são os impactos da verticalização excessiva?

C.L.: A impermeabilização é o primeiro

problema. Já existe uma série de regras para que os prédios tenham uma porcentagem de área permeável. Mas, mesmo que isso seja cumprido, sempre haverá um forte impacto na derrubada de uma árvore vigorosa. Para compensar, as construtoras plantam palmeiras no jardim do edifício… E, mesmo que tentem compensar plantando árvores na mesma região onde a árvore adulta foi destruída, certamente haverá sérios impactos. Os benefícios que uma árvore madura traz ao ambiente são muito maiores do que os de uma árvore jovem, que demora anos para crescer até se tornar adulta. Há muitos outros impactos ocasionados pela verticalização: inchaço da região e, com isso, mais carros nas ruas. Cada prédio novo traz três ou quatro vagas de garagem por aparta-mento, em um espaço onde havia quatro casas – a região não consegue absorver todo esse boom.

P.daVila: As pessoas aderiram ao movimento?

C.L.: Eu tenho uma versão online e outra impressa do abaixo-assinado que circula pela vizinhança. Na online, temos mais de 50 assinaturas – é um começo! Mas confesso que fiquei um pouco desanimada depois da resposta da Secretaria de Desenvolvimento; e já não sei se o abaixo-assinado terá o resultado desejado. Ele serve, mesmo, para que o poder público fique ciente de existir uma mobilização dos moradores no sentido de não permitir esse crescimento vultoso no bairro.

P.daVila: Existem casos parecidos em outros bairros da cidade?

C.L: Há o de um morador da Vila Prudente. Ele luta por um terreno extremamente arborizado e desabitado cujos donos, inclusive, permitiam que nele as pessoas circulassem. O terreno foi comprado por uma construtora e, por isso, esse morador criou o Movimento Viva o Parque (http://vivaoparque.wordpress.com), que mobilizou a população local para que, na área verde, seja construído um parque para a comunidade. Os moradores conseguiram até um projeto de lei na Câmara dos Vereadores. Pedi sua ajuda, e ele me recomendou o abaixo-assinado.

P.daVila: A divisão entre os moradores que querem vender seus imóveis e os que não querem causa atrito na vizinhança?

C. L.: No nosso caso, são três casas que estão velhas e precisam ser restauradas. Os proprietários acham que é um bom negócio vendê-las. Jamais conseguiriam o valor oferecido pelas constru-toras, se fossem vendê-las para terceiros. Há uma desinformação das pessoas que estão sendo assediadas pelas construtoras, uma vez que elas serão expulsas do bairro e não conseguirão adquirir outro imóvel aqui na região com o valor oferecido. Falta conhecimento sobre a realidade atual do mercado imobiliário, pois os imóveis estão supervalorizados, e está muito difícil comprar um na Vila Mariana.

P.daVila: Além do seu quintal, o que mais a incentivou a se dedicar à causa?

C.L.: Eu acredito em um modo alternativo de viver. Os meios de sobrevivência podem ser mais saudáveis para todos. Eu tenho um privilégio, e não quero ser “ecochata”, mas fico triste de ver a perda do espaço da fauna e da flora aqui do bairro, devido à ganância das construtoras. O que eu sempre quis frisar é o quanto todos nós perdemos em qualidade de vida, com o crescimento do mercado imobiliário – o que, por muito tempo, foi visto como algo positivo já que se trata de um indicador econômico. Mas tudo tem um limite:  não dá para construir mais em determinados bairros de São Paulo. Quanto mais a cidade cresce, mais restritos ficam os contatos e, conseqüentemente, a mobilização das pessoas. Tudo fica mais difícil quando ninguém se conhece – muitas vezes nem sequer se cumprimentam! Normalmente, as pessoas que moram em prédios encontram-se no elevador, cada um pega seu carro e leva a sua vida. Isso faz com que a vizinhança perca a afetividade, a memória e a identificação com o bairro em que mora. Tudo isso faz com que a capacidade de as pessoas se mobilizarem pelo bem comum desapareça. 

P.daVila: Qual o caminho para as pessoas participarem?

C.L.: Recomendo que acessem o blog: http://salvemosquintais.wordpress.com -, onde existe o link para o abaixo-assinado. Àqueles que preferirem o abaixo-assinado impresso, devem enviar um e-mail para  carina.lucindo@gmail.com ou ligar para o telefone 2305.4935 (das 15 às 18h).