Quando elas gritam!

No início da madrugada de segunda-feira, dia 29 de dezembro, uma forte tempestade pintou uma paisagem preocupante aos olhos dos moradores da Vila Mariana. Em poucos instantes, as rajadas de vento que alcançaram até 96,5 km/hora derrubaram árvores sobre a fiação elétrica e deixaram o bairro às escuras. Em uma decisão inédita em sua história, o Parque Ibirapuera fechou seus portões por mais de 10 horas para reparar os danos provocados pela queda de 25 árvores.

A queda de tantas árvores parecia normal em se tratando de um temporal de proporções inéditas. No entanto, no dia 12 de janeiro, não precisou mais do que uma rápida chuva para haver estragos novamente. Na Rua Morgado de Mateus, próximo ao Instituto Biológico, uma Tipuana de grande porte veio abaixo, arrastou um poste e deixou outro partido ao meio. Mais um dia sem luz. 

Cenas como essas têm sido recorrentes durante os dias de tempestades de verão e alertam sobre a saúde de nossas árvores. Desde o fim de dezembro até o fechamento desta edição, a Subprefeitura da Vila Mariana havia contabilizado 244 ocorrências referentes a quedas de árvores e galhos. O relatório contendo os números exatos ainda está sendo concluído, mas de acordo com o Engenheiro Agrônomo da Subprefeitura, Mauro Mendes Rino, cerca de 80% das árvores que caíram estavam sadias; dessas, somente 20% estavam deterioradas por fungos. “Essas quedas ocorreram porque o sistema radicular dessas árvores não era compatível com o tamanho da copa. Quando há vento, o peso da árvore é tanto que ela cai, com raiz e tudo”, justifica.

Em um passeio pelas ruas do bairro não é difícil perceber que a saúde de nossas árvores não anda nada bem. Em muitos pontos, o Pedaço da Vila encontrou troncos ocos, árvores desequilibradas e prestes a cair, emaranhado de fiação passando por entre os galhos e canteiros nas calçadas cada vez menores, sufocando as raízes e deixando o solo impermeabilizado. 

“O principal problema são as calçadas, pois, à medida que as árvores crescem, é preciso ampliar seu canteiro. Acontece que a prática do cidadão, quando vai reformar a sua calçada, é diminuir o canteiro. O entorno das árvores é muito impermeabilizado, e o solo é ruim.

Uma árvore de grande porte precisa ter, no mínimo, 2,5 m2 de área permeável na calçada, e hoje não temos mais isso. A nossa equipe está nas ruas fazendo esse trabalho de ampliação”, adianta o engenheiro.

Ele explica que o cupim não pode causar a queda de uma árvore, isso acontece raramente. “O cupim ataca uma árvore quando ela já se encontra com problemas fitossanitários e em processo de decomposição. Tivemos casos de árvores que estavam ocas, mas não caíram com essas chuvas, pois não tinham fungos”, revela.

A desproporcional verticalização do bairro é outro fator determinante para a queda das árvores: “O crescimento imobiliário também é um dos responsáveis, pois os prédios criam um túnel e canalizam o vento. O índice de quedas de árvores no bairro revela que elas caíram em locais onde o vento foi canalizado”.

Em constante competição pelo escasso espaço urbano, vivendo numa realidade hostil de poluição, maus tratos e alterações climáticas, as árvores se mostram cada vez mais vulneráveis. Fazer um tratamento preventivo é importante, mas, além de pouca mão de obra, ainda não existe no Brasil um produto licenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que possa ser usado em vias públicas. “Não podemos usar um defensivo agrícola nessas árvores, porque corremos o risco de contaminar a população; hoje, o que tratamos é somente o ataque de erva e parasitas”, diz Mauro.

O Engenheiro Agrônomo defende, no caso da Tipuana, a espécie mais afetada pelos temporais e a mais presente na paisagem, o trabalho de poda de rebaixamento. “Ela é uma espécie de árvore que aceita muito bem a rebrota; então, ao invés de fazer a remoção, se faz apenas a rebaixa, que é um plano de manejo”, sugere.

Por outro lado, o trabalho de poda e remoção de árvores no bairro entra muitas vezes em conflito com os interesses da população: enquanto uns são a favor do corte, outros se posicionam contra. “Há casos em que a árvore está condenada e deve ser removida, mas as pessoas a abraçam e não deixam o poder público agir. A solução desse impasse seria trabalhar uma política de manejo; ou seja, tira-se uma árvore condenada e planta-se outra em seu lugar. As árvores são como nós: nascem, crescem e morrem”, diz Mauro.

Hoje, a Subprefeitura da Vila Mariana conta com seis equipes para fazer o trabalho de remoção e podas das árvores do distrito da Vila Mariana. “Nesse período chuvoso, elas estão trabalhando intensamente. Após a tempestade do dia 29 de dezembro, outras dez equipes se uniram a nós para dar conta de reparar os danos provocados pela queda de árvores”, informa o Subprefeito, João Carlos da Silva Martins.

O Subprefeito explica que o trabalho de remoção e poda demora, muitas vezes, em função de fatores que independem da Subprefeitura. “Nossa equipe não pode mexer numa árvore se ela estiver na fiação elétrica. Nesse caso, solicita-se que a Eletropaulo realize o trabalho de desobstrução. Muitas árvores do bairro se encontram em áreas tombadas pelo decreto estadual 30.443, que impede o corte de árvores localizadas em áreas de vegetação significativa; nesse caso, é o Secretario do Verde e do Meio Ambiente, Ricardo Teixeira, quem precisa despachar a autorização.

Em casos em que não há a necessidade de aprovação da SVMA nem do trabalho de desobstrução da Eletropaulo, esse processo pode ser realizado pela Subprefeitura, com maior agilidade. “Demora no máximo 20 dias. Somente no ano passado, emitimos autorização para a Eletropaulo realizar 6 mil desobstruções da rede elétrica na Vila Mariana.

A Eletropaulo não faz poda, apenas desobstrução. Quem faz a poda é a Prefeitura!”

Desde 21 de outubro de 2014, Dia da Árvore, a Subprefeitura VM tem colocado em prática o projeto “Mais Árvore 21”. Todo dia 21 de cada mês, ela planta no mínimo 21 árvores no bairro. “Até agora, já plantamos aproximadamente 390 árvores. Estamos plantando Ipê Branco, pois é uma espécie mais resistente, cujo apodrecimento é mais demorado e com o sistema radicular mais forte. É uma espécie adequada ao ambiente urbano”, conta o Engenheiro Agrônomo.

Basta passear pelas ruas do pedaço para perceber que a vizinhança também tem responsabilidade com a falta de cuidados com as árvores A cidade cresceu sem respeito à natureza e elas foram sufocadas pelo cimento, dutos e fiações de toda  natureza. 

Em muitos lugares, os canteiros se transformaram em lixeira, entupidos por sacos plásticos de lixo (e de cocô de cachorro), madeira e entulho, papel, papelão e latinhas de bebida. E, agora, com o incentivo às ciclovias, surgem até as bicicletas acorrentadas nos troncos! 

Uma cidade sustentável começa por pequenas ações, e cuidar da natureza, ou do que restou dela dentro de uma cidade como São Paulo, é a única alternativa para garantir qualidade de vida no futuro. 

O fato é que poder público, empresas privadas e população não se dão conta da gravidade do problema. E quando o bairro fica sem energia elétrica — a Av. Cons. Rodrigues Alves ficou sem luz por dois dias! — é que se percebe a seriedade dos fatos…

No início deste ano, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e a Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSP) publicaram a primeira revisão do Manual Técnico de Arborização Urbana, lançado em 2005. O estudo, disponibilizado para download (www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente), destaca os benefícios da arborização no ambiente urbano e mostra como o crescimento da cidade condenou nossas árvores. 

O Pedaço da Vila destacou alguns pontos:

BENEFÍCIOS PROPORCIONADOS PELA ARBORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO

–  Eleva a permeabilidade do solo e controla a temperatura e a umidade do ar

–  Intercepta a água da chuva e diminui problemas como enchentes e erosão do solo

–  Proporciona sombra, o que economiza recursos públicos e diminui os efeitos danosos da    

   exposição humana ao sol

–  Funciona como corredor ecológico, abrigando pássaros e outros seres vivos que enriquecem  

    o ecossistema urbano

–  É uma barreira contra ventos, ruídos e alta luminosidade

–  Diminui a poluição do ar, evitando doenças respiratórias como asma, bronquite e pneumonia

–  Sequestra e armazena carbono, auxiliando no combate ao aquecimento global

–  Bem-estar psicológico: suas cores e formas proporcionam melhora na qualidade de vida

CONDIÇÕES POUCO FAVORÁVEIS AO DESENVOLVIMENTO DAS ÁRVORES

–  Pouco espaço para o desenvolvimento radicular

–  Solos compactados que dificultam a aeração e a infiltração de água

–  Pouca disponibilidade de nutrientes no solo

–  Fiação elétrica convencional de média e alta tensão não protegida e compactada

–  Danos causados por veículos, como atrito, colisões e emissões gasosas

–  Falta de tutores e de protetores adequados

–  Vandalismo