Portão da discórdia

O fechamento da rua Dr. Ferreira Rosa, travessa da França Pinto (alt. 567) até a Rio Grande (em frente aos mercados Master e Shinohara), desagradou moradores do entorno — a pequena via reúne doze residências e é usada como passagem de carro pela vizinhança.

O bloqueio da rua não é assunto recente. O embate se arrasta desde 2011, ano em que foi fechada pela primeira vez. Naquela ocasião, de acordo com a Subprefeitura da Vila Mariana, o pedido de instalação do portão atendeu a todos os requisitos legais. 

Removido após reclamações, o caso foi parar na Justiça da 5ª Vara da Fazenda Pública com um mandado de segurança impetrado pelo morador “Benedito Montenegro Neto e outros” contra a autoridade da subprefeitura que tirou o portão. O Juiz de Direito Marco de Lima Porta entendeu que a rua “é passagem, ao que parece, única de veículos dos próprios moradores”, autorizando de novo o fechamento. 

Em fevereiro de 2012, o Ministério Público de São Paulo revogou a liminar afirmando ser “improcedente o mandado de segurança”, pois a Rua Dr. Ferreira Rosa é uma “via de uso comum dos moradores do entorno e não possui características de vilas ou ruas sem saída”. 

Contrários à decisão do MP, os moradores recorreram à Justiça, em segunda instância. E o fechamento da Rua Dr. Ferreira Rosa passou a ser um assunto do Tribunal de Justiça de São Paulo, cabendo à magistratura dar o seu parecer, em 9 de abril de 2015 — V. Acórdão —autorizando o bloqueio novamente.

No documento, consta que: “a via pública sofre restrição apenas de passagem de veículos e não de pedestres, não podendo considerar a existência de violação do direito de locomoção, que não é absoluto e pode ser conciliado a outros, dentre os quais a segurança”.

Sem que houvesse manifestação da municipalidade sobre a decisão, os autos foram concluídos e arquivados no dia 11 de novembro de 2015. No portão da Rua Dr. Ferreira Rosa, uma placa sinaliza o cumprimento desse V. Acórdão.

DOIS LADOS

Nos últimos cinco anos, a rua foi bloqueada três vezes. A restrição ao acesso ocorreu porque, segundo seus moradores, a rua é perigosa. “Ela é mal iluminada e sempre aconteceram muitos assaltos aqui. Muitas casas já foram invadidas; o meu portão foi arrombado há pouco tempo”, diz um deles, que não quis ser identificado. 

Os vizinhos da Rua Rio Grande reclamam que o fechamento alterou o trânsito do entorno. “ A restrição nos acertou em cheio. Para chegar em casa, somos obrigados a dar a volta no quarteirão e passar pelas ruas Humberto I e Dr. Álvaro Alvim, trajeto do reduto de bares e universitários. Hoje mesmo gastamos quase meia hora para fazer esse contorno”, desaprova Welson Fernandes (68). 

Síndico do edifício Mantuá, de frente ao portão, Eduardo Galucci (60) observa que o fechamento da rua alterou a rotina da vizinhança. “O bloqueio atrapalhou as nossas vidas, pois essa rua sempre foi usada como passagem pelos moradores do entorno. Ela não é rua sem saída!”. 

Os comerciantes também sentiram o impacto. “Esse portão nos prejudicou. O movimento caiu muito e perdemos muito clientes por isso. Muitos deles vinham de longe e paravam o carro na Rua Dr. Ferreira Rosa”, relata a cabeleireira do salão Wataki, Ana Maria Alves (44).

Por outro lado, o de dentro do portão, Leandro Dias (21), funcionário do escritório de engenharia instalado no número 43, defende o bloqueio. “Ficamos mais seguros, pois passavam muitos carros que não são daqui”. Questionada sobre o impacto que o fechamento da rua causou no trânsito do entorno, a CET afirma, em nota, “que não há impacto no tráfego local” e que a Dr. Ferreira Rosa “foi fechada em atendimento ao decreto 56.985, de 12 de maio de 2016, que regulamenta a Lei 16.439 que dispõe sobre a restrição à circulação em vilas, ruas sem saída e ruas sem impacto no trânsito local”.  

Já a subprefeitura da Vila Mariana, que havia retirado os portões em 2011, atribui a lega-lidade do fechamento à Lei anterior.  “O caso específico da Dr. Ferreira Rosa teve a situação consolidada segundo a Lei vigente à época do primeiro fechamento [15.002/2009]. A nova Lei [a citada pela CET para fechar a rua recentemente]  tem efeito somente para novos casos”, informa a assessoria de imprensa da Subprefeitura VM, que afirma não ter en-contrado irregularidades na última vistoria feita na rua há um mês.

Os moradores e comerciantes da Rua Rio Grande não concordam com a decisão e planejam fazer um abaixo-assinado pedindo a liberação da via. “Esse portão não pode continuar aqui. em uma rua que todos usam. Nos sentimos preteridos no direito de ir e vir. A decisão precisa ser boa para todos, não somente para alguns”, rebate Galucci.

PORTÕES

A restrição à circulação no bairro por meio de portões e cancelas começou a partir da década 80 por iniciativa dos próprios moradores. Hoje, segundo o cadastro da Subprefeitura, a Vila Mariana registra 123 áreas com acesso bloqueado. 

Antes permitidos apenas para as vilas e ruas sem saída, os bloqueios tendem a crescer, ampa-rados pela nova Lei de Fechamento (16.439/2016). Os portões foram liberados às ruas sem impacto no trânsito local, cujas extremidades se articulem com uma ou mais vias oficiais e que não seja acesso a equipamentos públicos como praças, creches ou hospitais.

Entre as regras previstas na nova Lei para o fechamento, estão: a aprovação de 70% dos moradores da rua; o bloqueio ao acesso de pedestres só é permitido das 22h às 6h; o depósito de lixo deve ser em recipientes próprios de coleta seletiva — colocados na via oficial com a qual se articula — e compensação ambiental. Caso as determinações não sejam cumpridas, o portão será removido após notificação da subprefeitura. 

OUTRAS DISCÓRDIAS

Foi pensando na segurança local que, há quatro anos, os moradores da travessa Albino Rodrigues Costa, acesso entre França Pinto e Joaquim Távora, tentaram fechar a rua. Mas não houve consenso entre os moradores, recorda Roberto de Carvalho (51), que encabeçou a proposta. “Muitos afirmavam que o fechamento iria nos engaiolar e não garantiria segurança. As discórdias e os desgastes da burocracia do processo não valeriam a pena para seguir adiante, já que ficaríamos obrigados a arcar com todos os custos de manutenção da rua: hidráulica, elétrica, coletas da rua”, diz ele.

Manter a rua aberta se mostrou a opção mais correta nesse caso, assegura Roberto. “Além da burocracia, a subprefeitura nos alertou que bastava ter uma reclamação para que o portão fosse retirado. A rua continuará aberta e vivemos muito bem assim, em harmonia. Quem passa ajuda a cuidar da segurança. Portão é assunto encerrado por aqui”, decreta.

Na rua sem saída Comendador Paulo Brancato, travessa da Sud Mennucci, o conflito também ganhou aspectos formais e foi parar na 11ª Vara Cível. Fechada desde 2000, a rua foi reaberta há três meses após uma visitante ter o carro riscado por uma moradora. O caso foi denunciado e retiraram o portão”, conta a moradora Dulce Soares (69).  Ela reclama que desde a abertura da rua não tiveram mais sossego. “Muitas bicicletas e botijões de gás foram furtados. Nos sentimos vulneráveis com a retirada do portão. Estamos regularizando o fechamento e o portão voltará ao seu lugar”, garante.

O falta de segurança não está apenas nas vias com pouco movimento, mas em qualquer parte da cidade. Fechar ruas por causa disso obscurece  o cerne da questão: se todas as pequenas ruas do pedaço, por força de 70% de seus moradores, fossem fechadas, viveríamos cercados por ‘condomínios horizontais’, alterando as características do bairro — e a privação do tráfego local. A exemplo da Rua Loureiro Batista, a opção seria melhorar a segurança: a travessa da Rua França Pinto, com acessos à Rua Uruana, foi reaberta por força da Lei e dispõe atualmente de mais guardas notunos. 

A raiz da discórdia — insegurança e privação  — não bloqueia apenas as ruas, mas conflita a vizinhança. A maioria dos moradores do pedaço não vive em vilas nem em pequenas vias,  “quebradas” que garantem, como disse Galucci, o direito de ir e vir em um bairro de todos. Cabem à Justiça, CET e Subprefeitura levarem em conta o que pensa a população!