Os tempos mudaram, algumas relações nem tanto…

Desde 1990, a Casa Eliane de Grammont é uma prova de que,embora o mundo tenha progredido, as relações sociais continuam baseadas nos primórdios da humanidade. Vinculada à Coordenadoria das Mulheres, da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, a Casa é uma entidade responsável por realizar 195 atendimentos mensais de mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. Um número ainda considerado pequeno, levando-se em conta a porcentagem de mulheres que não registram queixa, por terem vergonha, medo ou falta de coragem de denunciar

Dia 8 de março, o mundo inteiro comemora o Dia Internacional da Mulher. Na ocasião, homens de todas as idades rendem-se em homenagens ao sexo oposto, hoje considerado não mais tão frágil assim, e também personagem fundamental tanto na vida familiar quanto no campo profissional.

Em muitos países, movimentos femininos conquistaram direitos e oportunidades iguais. E um dos vários frutos da luta vencida pelas “guerreiras de saia” se deu aqui, em plena região, com a abertura da Casa Eliane de Grammont. Existente desde 1990, na Vila Clementino, a unidade, vinculada à Coordenadoria das Mulheres da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, é hoje um reconhecido centro de referência e atendimento integral às mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. Trata-se, ainda, do primeiro serviço público municipal do gênero no país.

O nome da casa é uma homenagem à famosa cantora assassinada por seu ex-marido alguns meses após a separação, em 30 de março de 1981, no Café Belle Époque, no bairro da Bela Vista. O caso foi um dos mais importantes na mobilização feminina brasileira em relação à violência contra a mulher.

Reformada e ampliada em 2002, a Casa Eliane de Grammont presta atualmente atendimento gratuito nas áreas de serviço social, psicologia, sociologia e direito (defensores públicos). Também realiza ações grupais que visam recuperar a autoestima, dar orientações legais e promover a conscientização sobre os direitos humanos e a cidadania. Além disso, articula com outros serviços públicos a construção de uma rede de atendimento às usuárias, que possibilite a conquista de políticas de prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres. Cursos, oficinas e palestras completam o trabalho de assistência.

No local, são realizados em média 195 atendimentos mensais – desses, cerca de 10% são casos novos. As ocorrências mais comuns estão relacionadas à violência doméstica, na qual o agressor é invariavelmente o companheiro ou o marido. A principal característica apresentada pelas pacientes agredidas é uma dor crônica, sem localização precisa. “Não tem nome, nem lugar exato; a dor pode ser em qualquer parte do corpo. Elas têm muitas queixas e estão depressivas. A situação de violência leva a um sofrimento que vai afetando a capacidade de cuidar de si mesma”, relata Josefina Sanches, socióloga e coordenadora da Casa Eliane de Grammont.

Nas unidades de saúde, as mulheres acometidas por violência são rotuladas em geral como poliqueixosas e somatizadoras. Em algumas situações, segundo a coordenadora, o sofrimento psicoemocional provocado pela agressão do parceiro pode até resultar em casos graves e de difícil solução.

E quando há casos de ameaça à vida, o centro de referência encaminha a mulher à proteção da justiça, que a coloca em um abrigo sigiloso com os filhos por até três meses. Nesse período, a mãe, com as crianças, conta com assistência psicológica e social, a fim de começar a planejar sua vida longe do agressor, geralmente, em outra cidade.

Outra dura realidade vivenciada por milhares de mulheres está no fato de a violência doméstica não se restringir somente a um segmento da população. Pesquisas apontam que há agressores de todas as classes sociais e todos os níveis socioeconômicos e culturais. “Atendemos mulheres que são profissionais de nível universitário, como professoras, engenheiras, médicas, entre outras. Algumas delas até sustentam a casa”, conta a socióloga.

Já o secretário de Participação e Parcerias da Prefeitura, Ricardo Montoro, responsável pela rede de proteção à mulher na esfera municipal, observa que a violência pode ocorrer mais nas camadas pobres da sociedade, pois, conforme revela pesquisa Ibope de 2008, as mulheres das classes AB têm vergonha ou menos coragem de denunciar. “Também há o fato de que ela pode pagar pela ajuda e acaba não procurando os serviços públicos. E essas observações valem para o mundo todo”, explica.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde e da Anistia Internacional, 70% da violência contra mulheres acontece em âmbito doméstico, familiar ou nas relações que envolvem casos de amor entre um homem e uma mulher. De acordo ainda com essas instituições, a violência doméstica é a maior causa de morte entre mulheres de 16 a 44 anos. “Mata mais que todos os tipos de câncer que afetam o sexo feminino, mais que as guerras e os acidentes automobilísticos”, informa o secretário Ricardo Montoro.

Para entender a origem do problema, uma declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas afirma que “a violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres…” Dessa maneira, na visão dos especialistas, o problema não é financeiro, como também não é só consequência do álcool e da droga, apesar de ser agravado por eles. “O problema é essencialmente cultural.Além da falta de políticas públicas que realmente o enfrentem. A recente Lei Maria da Penha [lei federal de violência doméstica e familiar contra a mulher, sancionada em 2006 pelo presidente Lula ajudou, mas ainda há muito por que lutar”, aponta Josefina Sanches. Ao chegar à Casa Eliane de Grammont, a mulher, então abalada e fragilizada, percorre um longo caminho de tratamento e recuperação. “Não é de um dia para outro; leva muito tempo. Mas, ao final, ela sai mais forte e segura, com uma nova perspectiva de vida, o que nos deixa muito felizes e compensa toda dificuldade”, alenta a coordenadora da casa..
Nos últimos anos, as mulheres têm denunciado mais esse tipo de crime. Em 2009, a rede municipal atendeu 4 mil queixosas – número considerado ainda pequeno se comparado às pesquisas nacionais sobre o tema. Algumas delas, inclusive, apontam que a cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil……………………………………..
O serviço jurídico da Prefeitura voltado a esse público, que teve início em abril de 2008, ratifica a maior demanda de denunciantes, pois ampliou no ano passado o número de dias e locais de atendimento. “O crescimento é diretamente proporcional ao grau de conhecimento das possibilidades de ajuda”, afirma Ricardo Montoro, que incentiva: “É preciso coragem para denunciar, para que a violência não acabe de maneira pior”…………………………………
O secretário cita como exemplo o chocante caso da jovem Eloá Cristina Pimentel,  morta no ano passado pelo ex-namorado, em Santo André. “Ela manifestou o desejo de denunciá-lo à polícia antes do sequestro. Mas foi dissuadida pelo pai e acabou morrendo aos 15 anos.” …………………..
Com a edição da Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, há uma legislação específica que tipifica os crimes domésticos contra as mulheres e aumenta as punições aos agressores. Agora, os homens que batem e ferem as companheiras podem receber penas de três meses a três anos de prisão. Anteriormente, o crime era considerado de menor potencial ofensivo, com penas de seis meses a um ano de reclusão, frequentemente transformadas em entrega de cestas básicas.
Logo, em respeito e orgulho às conquistas femininas das últimas décadas, a mulher dos tempos modernos não deve mas tolerar qualquer tipo de violência contra sua integridade física e moral. Dentre uns dos diversos caminhos para denunciar, estão o site www.coordenadoriadamulher.com.br da prefeitura, ou a própria Casa Eliane de Gramont, na rua Dr. Bacelar, n° 20 (tel.: 5549-9339/0335). O atendimento é com horário marcado, das 8h às 18h.