Cultura Preservada

A Cinemateca Brasileira realiza um trabalho minucioso para resgatar, preservar e difundir mais de um século de cinema. Dentro do terreno de 20 mil m2 do antigo Matadouro, a Cinemateca Brasileira esconde um organismo que cuida incansavelmente da preservação da cultura cinematográfica brasileira. Seu coração são os 150 mil rolos, 30 mil títulos, que resgatam uma memória que começa com o filme “Reminiscências”, 1909, de Aristides Junqueira. Mesmo os filmes que se perderam ou foram destruídos pelo tempo, a ponto de não poderem ser reproduzidos, são documentados com dados complementares, como roteiro, fotografia, ficha técnica, recortes de jornal, entre outros dados coletados.

O portão que leva ao maior acervo da América Latina e aos laboratórios fica na rua Capitão Macedo, na parte dos fundos da imensa área e onde trabalham cerca de 70 pessoas. Logo na entrada, vê-se do lado direito, um galpão lotado de caixas de polietileno azuis e amarelas, projetadas especialmente para conservar as películas. À esquerda, uma pequena casa, guarda 3.500 filmes de nitrato, utilizados até a década de 50, devidamente isolados por serem de auto-combustão. “O objetivo é dar longa vida aos objetos, no mínimo 100 anos”, explica a coordenadora de Preservação da Cinemateca, Fernanda Coelho.

O processo é minucioso. O filme recebe em primeiro lugar um número de controle e passa por uma análise técnica, cujas informações de conteúdo são resgatadas, para depois receber uma análise do seu estado físico, que constata o grau de deterioração. “São vários os agentes que podem deteriorar a película. A Síndrome do Vinagre, por exemplo, pode destruir um filme em poucos anos”, informa Fernanda. O terceiro passo é fazer uma cópia em vídeo para evitar o manuseio desnecessário do filme e catalogar o máximo de informações do material, que vão para o banco de dados. Os filmes são conservados em áreas climatizadas. A que guarda os filmes deteriorados é chamada pela equipe de UTI. Há áreas só para os filmes coloridos que ficam guardados a 10/12°C, numa umidade relativa de 30/35%.

Já os filmes em Preto e Branco, são conservados em torno de 15/17°C. “Os sensores monitoram e os gráficos no computador mostram a situação de guarda. Esse controle é passo importante para a preservação”, ensina. Muito cuidado é pouco para não deixar morrer filmes como os da Vera Cruz, de Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Hec- ctor Babenco e todas as obras de Glauber Rocha, só para citar alguns trabalhos, além dos originais dos programas da TV Tupi: novelas, – capítulos de Beto Rockfeller, A Viagem etc. – programas de auditório e telejornais.

Enfim, imagens que reproduzem a História e a Cultura do país. Um dos galpões do antigo Matadouro abriga o Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca. A Biblioteca Paulo Emílio Salles Gomes conta com mais de 4.000 livros específicos, 2.300 roteiros, folhetos de divulgação publicitária, certificados de censura, periódicos nacionais e estrangeiros, entre outras documentações variadas que totalizam 30.000 registros, que podem ser pesquisados de segunda a sexta, das 9 às 13h, por meio de índices de autores, títulos e assuntos. Os arquivos especiais agregam tanto o arquivo histórico da Cinemateca como arquivos pessoais de críticos e cineastas brasileiros.

E o laboratório de fotografia preserva 31.000 fotos de filmes estrangeiros e 26.000 de filmes brasileiros, além de 34.000 negativos e 500 placas de vidro, lanternas e estereoscopias. As atividades de pesquisa englobam o serviço de recorte e processamento dos artigos publicados em jornais – 60.000 matérias de 1954 até hoje -, Enciclopédias de Cinema Brasileiro referentes ao período de 1897 – a 1930, e um arquivo de Filmatografia que atua no Censo Cinematográfico Brasileiro – desenvolvido desde 2.000 e pratocinado pela BR . Os fichários já contam com cerca de 14.000 títulos de curtas e longas, além de 3.200 cinejornais, que estão sendo incorporados à base de dados. “O propósito é fazer um levantamento de todos os filmes que foram produzidos no Brasil desde 1895”, conta o diretor-adjunto da Cinemateca, Guilherme Lisboa.

Os resultados do Censo Cinematográfico Brasileiro serão brevemente disponibilizados no site da Cinemateca. Difundir conhecimento é parte do projeto determinado pelo Conselho da instituição (veja artigo, pág.13). “A Cinemateca, dentro de sua história, sempre sofreu tanta carência que toda a energia da casa era dirigida à preservação”, explica Lisboa. A partir desse ano, segundo o diretor, o objetivo é a difusão de todo conhecimento preservado: “Vamos promover sessões especiais, debates e vários cursos.”, almeja. O Matadouro Municipal começou a ser construído em 1880 e foi graças a ele que a região desenvolveu-se: o comércio cresceu, fazendas foram divididas em chácaras, linhas de bondes chegaram e muitos empregos surgiram. Desativado na década de 30, seus galpões serviram durante décadas à Prefeitura como depósito da Ilumi, que cuida da iluminação da cidade. Na gestão Jânio Quadros a Cinemateca Brasileira recebeu a Cessão de Uso do local, que desde então continua sendo restaurado. No projeto, uma bela praça aberta ao público está prevista. Aliás, é esse público que pode ampliar o acervo da instituição.

“A Cinemateca tem interesse em guardar qualquer imagem em movimento”, informa Fernanda. Através de um instrumento chamado Contrato de Depósito, produtores, realizadores, distribuidores, empresas ou quaisquer entidades e pessoas físicas com seus filmes domésticos podem garantir a manutenção dos seus direitos legais sobre o objeto depositado e ainda conservá-lo por, no mínimo, mais um século!