Ataque Aéreo

Coisas simples como falar no telefone, ver televisão ou até  dormir tranquilamente, tornaram-se coisas do passado depois do aumento das rotas aéreas sobre nossas cabeças!

Quem mora na Vila Mariana pode notar nos últimos meses um vai-e-vêm constante e diário de aviões no céu. Isso porque uma nova rota aérea vinda do aeroporto de Congonhas foi aberta sobre o bairro residencial. E é possível ouvir o barulho das aeronaves desde cedo até durante a madrugada.

Moradores do pedaço – como das ruas Humberto I, Bagé, Pelotas, Maestro Callia, Joaquim Távora e Conselheiro Rodrigues Alves –, estão incomodados com os fortes ruídos, sobretudo, aos fins de semana e justamente no horário em que a maioria das pessoas dorme. “Estou apavorada com os ‘ataques aéreos’ na Vila Mariana. O excesso de aeronaves começa a partir das 6h30 da manhã e sem nenhuma interrupção faz o trajeto de um em um minuto, às vezes até menos, continuando até 2 da manhã, como foi o caso de vários dias que não consigo dormir. Os aviões passam numa altura que o barulho é assustador. Muitas vezes tenho também de aumentar o volume da televisão porque não consigo ouvir”, relatou indignada a leitora Rita Raf, que mora há 15 anos na região.

De acordo com o Serviço Regional de Proteção ao Vôo (SRPV) de São Paulo, ligado à Aeronáutica, foi feita recentemente uma reestruturação no espaço aéreo da cidade. Por isso, houve a necessidade de se criar novos trajetos de chegada e saída do aeródromo. Criada em julho do ano passado, a rota da Vila Mariana é permanente e apenas para aviões que decolam de Congonhas. Nessa passagem, tanto aviões menores quanto de grande porte podem voar a 4 mil pés, equivalente a 1.200 metros de altura.

Segundo o SRPV, antes de alinhavar um percurso aéreo, é realizado um estudo sobre o mapa local. “Para a implantação de qualquer rota, fazemos um estudo de padrões internacionais para traçados e separações de obstáculos com altura acima do solo, ou seja, de elevações, antenas e prédios. Depois, definem-se as altitudes e margens de segurança de vôo. Por último, realizamos um sobrevôo com a aeronave laboratório, do Grupo Especial de Inspeção ao Vôo, para verificações e homologação finais”, explicou o tenente Marco Antonio dos Santos Meirelles.

Já toda avaliação de impacto ambiental e o plano de zoneamento de ruído são de responsabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). O tenente Meirelles, porém, justifica que “o Código Brasileiro de Aeronáutico estabelece competência ao Comando da Aeronáutica para legislar sobre o espaço aéreo brasileiro e isso tem prioridade sobre a ocupação e uso de terrenos na área próxima aos aeroportos. A urbanização e estabelecimento de áreas residenciais são funções da municipalidade, que deveria ter observado o plano específico de proteção do aeródromo quando da aplicação do seu respectivo plano diretor da cidade”.

O SRPV não soube estimar o número de vôos que passa pela Vila Mariana, mas alega que a rota aérea na região existe desde os tempos do antigo Matadouro, antes mesmo da construção do Parque Ibirapuera, em 1954.

Diante do caos no setor de aviação, a prorrogação do horário de funcionamento do aeroporto também contribui para piorar o sossego noturno dos moradores. No final de fevereiro, por portaria da ANAC, Congonhas passou a operar, até final de maio, das 5h30 às 0h30 – antes era das 6h às 23h.

Mas o período vigente muitas vezes extrapola madrugada adentro. O SRPV esclarece que, nesses casos, há fatores que influenciam na extensão do horário das operações de vôo. “Por causa de chuvas, restrições impostas pelo centro de controle de Brasília, mudanças de pista devido a condições meteorológicas, emergências (salvamento de vidas humanas e panes em aeronaves) e missão presidencial, o Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea solicita tempo maior para a realização dos vôos previstos no dia”, afirmou Meirelles.

Inaugurado em 1936, no Campo Belo, à Avenida Washington Luis, o Aeroporto Internacional de Congonhas – com área aproximada de 1,6 quilômetro quadrado, equivalente a 15 estádios do Morumbi – é hoje o mais movimentado do País. O aeródromo recebe diariamente uma população flutuante de 60 mil pessoas. Possui quatro rotas de saída para aviões, sete de chegada e 19 de descida. Em média, são feitos 630 pousos e decolagens por dia. Seis companhias aéreas operam no local.

Nos últimos anos, a quantidade de passageiros no terminal aéreo só tem aumentado. Sua capacidade anual para 12 milhões de usuários está aquém. A crescente demanda gerou a necessidade de modernizar e ampliar o aeroporto.

As obras com essa finalidade encontram-se em andamento desde 2003. O prazo de conclusão é até o fim deste ano. Dentre as benfeitorias previstas, estão novas escadas rolantes, elevadores, posições de check-in, revitalização da fachada e saguão central, além da ampliação da sala de embarque e desembarque. Segundo a Infraero, órgão federal que administra os aeroportos brasileiros, o aumento dessa última área do terminal não tem o objetivo de elevar o número de passageiros, mas apenas adequar o espaço ao movimento atual.

Como parte ainda da recuperação estrutural do aeroporto, está em curso a remodelação do acesso viário interno. O objetivo é reorganizar o fluxo de veículos em direção a Congonhas. Em função da constante derrapagem de aeronaves e por questões de segurança, as pistas de 1,4 km de extensão para pousos e decolagens passam por manutenção, como recapeamento, correção topográfica e alargamento (de 49m para 54m de largura). Toda intervenção deve ser finalizada até final de abril.

De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), não há previsão do aumento de aviões em Congonhas após o término das reformas. O órgão confirma ainda a possibilidade de transferência de 30% dos vôos do aeroporto paulistano para o de Viracopos, em Campinas. “São estudos em andamento sobre a malha aérea de São Paulo.” Paulo Abdala, chefe de laboratório de ruídos da Agência, informou que não há estudos de medição de ruídos na Vila Mariana: “Embora o antigo Instituto de Aviação Civil, agora ANAC, tenha realizado diversas medições na área de entorno do Aeroporto de Congonhas, não consta nenhum estudo específico na Vila Mariana. Caso a associação de moradores deseje uma avaliação de ruído, basta encaminhar um pedido à Superintendência de Estudos, Pesquisas e Capacitação para Aviação Civil, em nome do superintendente Alex Castaldi Romera. Se a diretoria da ANAC aprovar o pedido, uma equipe será deslocado do Rio de Janeiro para atender à solicitação”, orientou.

Os estudos consideram a legislação de ruído que é aplicada ao local e a compara com os níveis de ruído produzidos pelas diversas fontes sonora, como por exemplo carros, motos, caminhões e aeronaves. Com base nestas informações é possível verificar qual é a fonte ruidosa que mais afeta a localidade e também quais os procedimentos para mitigar o problema do ruído aeronáutico na região. Segundo Abdala, como o som é uma onda mecânica que se propaga pelo ar, alguns fatores afetam como o ruído é percebido: umidade, vento, temperatura, relevo … ” A existência de edificações e vegetação também podem afetar a percepção sonora”, explicou.

A vizinhança está atônita com o barulho: “Eu cheguei a ligar para um sargento da Anac que me explicou que a inversão da pista de Congonhas trouxe mais aviões para esse lado”, disse o músico Osmar Barutti, morador da travessa da rua Joaquim Távora. Ele desistiu de fazer um estúdio em sua casa devido ao barulho: “Fiz um revestimento acústico no quarto com 2 cm de madeira e mesmo assim o som do avião entra”, contou Barutti: “Sinto mudanças extremas quanto à qualidade de vida desde o início deste ano”, alertou Carla. “Não consigo mais dormir”, brandou Rita.

Avistando o Aeroporto da cobertura do 22o andar de um prédio da rua Bagé, é possível compreender as rotas. Em escala menor, de cada cinco aviões que decolam, um é para o Sul. Eles sobrevoam o Parque Ibirapuera e vão para os lados da Marginal Pinheiros. Todavia, a rota de maior movimento, para o Litoral, é a que passa pelo pedaço (em momentos de pico ou depois de fortes chuvas chegam a sair de 3 em 3 minutos!). “Depois desta quantidade de aviões em minha cabeça até pensei em me mudar, mas depois de ouvir um monte de reclamações da vizinhança resolvi me mobilizar para resolver o problema”, convocou o músico.

O jornal Pedaço da Vila entrou no coro e – de primeira mão – enviou esta reportagem ao subprefeito Fábio Lepique. São informações e reclamações úteis para restabelecer a tranqüilidade de uma região onde está concentrado grande número de hospitais, instituições de ensino, laboratórios de pesquisa, equipamentos culturais, áreas verdes e pessoas, que até recentemente gozavam de certa tranqüilidade.

MOEMA RECORRE À JUSTIÇA CONTRA AVIÕES

A luta dos moradores da vizinha Moema contra o ruído dos aviões é bem mais antiga. A associação comunitária do bairro ingressou no último dia 30 com uma ação civil pública inédita. O grupo pleiteia na justiça o fim dos vôos após às 23h, em respeito ao descanso noturno.

“Queremos preservar nosso direito de repouso noturno. É uma falta de respeito. Não consigo dormir até 2 e 3 da manhã, pois os aviões passam por aqui em intervalo de dois minutos. Acabo dormindo melhor durante o dia”, relatou a dona-de-casa Lígia Horta, presidente da Associação de Moradores de Moema.

Foi ela quem decidiu mover uma ação contra a ANAC e a Infraero. A idéia é que Congonhas volte a funcionar em seu horário antigo, das 7h às 23h. Atualmente, em decorrência da crise aérea, opera comercialmente das 5h30 às 0h30. “Os dois órgãos responsáveis pelo aeroporto são omissos e não tomam providências. Esse novo horário é uma mentira. A madrugada toda passa avião. Os táxis aéreos de barulho menor são comuns durante 3 e 4 da manhã”, criticou Horta, que mora sob a rota de aviões há 52 anos.

Ela recorda com saudades dos tempos em que o aeroporto tinha pouco movimento. “Antigamente, só operavam em Congonhas a Vasp e a Varig. Era tranqüilo. Depois, chegaram outras companhias mais os táxis aéreos, que saíram do Campo de Marte para voar aqui, e virou um caos”, lamentou.

Ligia cobra também a instalação de um rebatedor de ruído no aeroporto, aparelho comum em todo o mundo, mas ainda inédito no Brasil, pois diz escutar o ronco dos motores esquentando das aeronaves em plena madrugada. Por conta dessa barulheira intermitente e diária, ela aponta ter contraído alguns problemas de saúde como estresse, depressão e até surdez. “A gente não consegue nem assistir aos programas de TV favorito. Na melhor parte, sempre tem um avião para atrapalhar”, concluiu.