O Domínio do Fogo
Muitas coisas tornam o homem impar como animal diante das outras espécies que dividem com ele o mesmo planeta.
Sim, todos somos animais, somos almas, seres animados. Aliás, a palavra latina da qual deriva alma é anima (vida). Sendo assim a palavra está longe de significar uma parte imaterial que sobrevive a morte do corpo físico. Porém a crença de que a alma continua a existir após a dissolução do corpo é um assunto de especulação filosófica e teológico que não cabe neste artigo.
Voltando ao que tanto distancia o “animal homem’’ dos outros animais, podemos pelo menos citar três aspectos: só o homem tem espiritualidade, só o homem faz arte, só o homem cozinha.
Quem imagina nossos ancestrais como trogloditas toscos, no mínimo, está mal informado ou não conhece um cenário fabuloso, que não mudou a milênios: a Gruta de Altamira, perto de Santander, ao norte da Espanha, onde meu pai nasceu. Ela abriga um incrível e magnífico acervo de pinturas rupestres, tão esplendorosas quanto à Capela Sistina.
As pinturas das paredes das grutas – bisões, javalis, cavalos – testemunham as habilidades, os talentos e a “humanidade’’ daqueles que ali viveram.
Os bisões de altamira foram o fruto de um ato quase mágico. O homem que pintou a presa, capturou-a numa beleza tão contemporânea que é impossível não perceber a influência que esses desenhos tiveram sobre os famosos toros de Picasso.
O caçador se descobriu artista, submetendo sua presa ao fogo, convertendo-o de pintura em prato. De modo que a arte, o domínio do fogo, o delicioso recurso da carne assada têm ilustre origem.
O caçador anônimo que pintou os bisões em Altamira foi uma soma de talentos: artista, decorador de sua casa, caçador e cozinheiro. De mão no fogo e no pigmento ele marcou para gerações futuras de maneira indelével sua definitiva condição humana.
Filé mignon à Santander
Ingredientes:
1 filé-mignon inteiro, sal e pimenta do reino moída na hora
500 gr de jamon espanhol (presunto crú), ramos de tomilho fresco
manteiga clarificada (manteiga derretida em banho -maria da qual são retirados todos os sólidos e a espuma da superfície).
Acompanhamento:
500 gr de frutas vermelhas (framboesas, morangos, amoras, mirtilos) cozidas ao dente com 1 colher de açúcar, 1/2 xícara de chá de aceto balsâmico e uma colher se sopa de pectina (encontrada em casas de produtos para culinária)
Preparo:
1) Corte o filé-mignon em tiras longitudinais. Faça tranças, entrelaçando-as com tiras de jamon. Amarre bem as pontas.
2) Aqueça bem uma chapa e coloque as tranças.
3) Sele-as de um lado, vire para selar o outro. Só então salgue e tempere.
4) Coloque ramos de tomilho fresco inteiros por cima, pincele a manteiga clarificada até que a carne adquira uma coloração dourada avelã.
5) Sirva acompanhada do confit agridoce de frutas vermelhas.
Felipe Gutierrez, arquiteto e chef de cozinha – Quotidianum Doces e Salgados, tel.: 5572.6938