Em busca do paladar perdido
O escritor francês Marcel Proust concluiu que o olfato e o paladar têm o poder de convocar o passado. Ele atribuiu a uma Madeleine (bolinho de limão em forma de concha) e uma xícara de chá o fato de ter recordado de um período esquecido de sua infância. Ao se conectar com suas memórias, Proust rompeu com o incômodo vazio de sua escrita e produziu a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, considerada um dos principais clássicos da literatura mundial. Sua vida recomeça com um gole de chá e um pedaço de Madeleine: “Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado aos farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso.” E, continuando no mesmo parágrafo: “E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de Madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã…”.
A neurociência comprovou que Proust estava certo. Os sentidos do olfato e do paladar são exclusivamente sentimentais. Isto porque são os únicos que se conectam diretamente com o hipocampo – o centro da memória de longo prazo do cérebro. A visão, o tato e a audição são processados primeiro pelo tálamo – a fonte da linguagem e porta de entrada para a consciência. É por isso que esses são bem menos eficientes em trazer à tona o passado.
Comida é afeto, é lembrança. Quando comemos algo que nos leva de volta ao tempo da infância, sentimos conforto e prazer com os fatos e as sensações recordados. Dos cinco sentidos, o paladar, associado ao olfato ou odor, a visão e ao tato, são os responsáveis pela definição do gosto, do que nos dá prazer e conforto. O odor torna as coisas perceptíveis depois dos olhos e antes do paladar. Antes da boca, é o nariz que tem importância no julgamento de, por exemplo, um vinho: seu buquê. Todos os sentidos são importantes para um cozinheiro atento: tato, visão, olfato, audição e, claro, o paladar. Cada sentido ajuda a indicar o ponto do preparo da comida.
Alguns pratos me transportam à infância, e, só de pensar neles, me dá uma alegria enorme: mingau de aveia com canela em pó, arroz doce com canela em pau, pudim de pão da vó Maria, broinha de milho da Vó Benedita, bom-bocado da Padaria, cocada mole da Tia Alice, bala de coco da Ivone, curau e pamonha da minha mãe, banana da terra frita com açúcar e canela, bolinho de chuva com muito açúcar e canela, canja de galinha, milho verde refogado com bastante salsinha, batata frita…
Paladares dos tempos perdidos…
Receita de Madeleine com sementes de papoulas para acompanhar um chá
INGREDIENTES:
2 ovos;
125 g de açúcar refinado;
125 g de farinha de trigo;
1 colher de chá de fermento em pó;
125 g de manteiga sem sal;
raspas das cascas de 2 limões;
3 gotas de essência de baunilha;
Manteiga para untar;
Açúcar de confeiteiro para polvilhar;
2 colheres de sopa de sementes de papoulas levemente moídas.
MODO DE FAZER:
1- bata os ovos com o açúcar até dobrarem de volume;
2- acrescente a farinha e o fermento peneirado
3- adicione a manteiga derretida, as raspas de limão, a baunilha e as papoulas.
4- deixe a massa descansar por ½ hora em local fresco
5- preencha ¾ da capacidade de cada forminha (própria para Madeleine) ligeiramente untada com manteiga e coloque-as sobre uma placa ou assadeira pré-aquecida.
6- asse por cerca de 20 minutos no forno pré-aquecido a 180C ou até dourarem. desenforme imediatamente sobre uma grade para esfriar
7- polvilhe as Madeleines com açúcar de confeiteiro ou, se preferir, banhe as pontas com chocolate derretido.
Maria Helena Serrano é chefe de confeitaria, desde 1994, frequentou a École Lenôtre em Paris e sócia proprietária da Quinto Pecado Doces, fábrica e loja de doces e salgados.
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