Cronos e o apego ao ultrapassado
As células do corpo humano constantemente se renovam. Em média a cada sete anos passamos por fases de vida inteiramente distintas, os chamados setênios. Mas quantas coisas novas você abraçou e quantas coisas velhas abandonou nessas transições?
O tempo passa e com ele certas vontades se esvaem e outras surgem. Apegar-se com aquilo que já passou apenas vai atrasar o período que poderia ser muito melhor aproveitado com aquilo que veio a agradar mais.
E quem melhor para representar essa passagem de fases do que o próprio Deus do tempo, Cronos?
Na mitologia grega, Cronos era filho de Urano e Gaia, os Deuses mais importantes dessa época primitiva por simbolizarem respectivamente o céu e a terra. Assim, Urano era considerado o senhor do universo até então. Porém, com tantos filhos tão ou mais poderosos, era evidente que seu reinado envelheceria em algum momento e daria lugar a algum sucessor.
Entretanto, Urano não quis soltar o poder conquistado. Não quis aceitar que a sua fase individual já seria outra e foi se tornando cada vez mais tirano para demonstrar sua força. Cada novo filho seu era empurrado de volta ao ventre da mãe-terra Gaia, causando-lhe terríveis dores. A vontade de um passou a sobrepujar a vontade de todos. E se Urano não aceitava que o tempo passava, o próprio tempo tratou de lhe estampar a realidade.
Com uma foice forjada pela mãe, Cronos castrou o pai e se tornou o novo senhor do universo. Uma trama violenta e vingativa, mas que demonstra a implacabilidade do destino. Tudo seria mais fácil se a passagem fosse pensada e amistosamente preparada assim que percebida a sua iminência. Cronos poderia ser coroado enquanto Urano ainda poderia manter alguma outra posição de destaque ou admiração. Contudo, ao se agarrar com o passado que insistia em fazer presente, terminou por arruinar todo o seu futuro.
E então aparece uma situação interessante: com o Deus do tempo sendo soberano, as leis naturais do tempo continuariam sendo as mesmas? Se tudo que nasce está fadado a morrer, inevitavelmente o comando de Cronos também iria crescer e amadurecer até ruir? Ou mudaria suas próprias leis naturais para se perpetuar no poder? Por fim, com justiça irrevogável, as leis do tempo se mantiveram inflexíveis mesmo diante de seu criador.
Pois então o destino se repetiu: uma profecia alertou Cronos de que seria destronado por um de seus filhos. Teria aprendido com os erros do pai? Teria se preocupado em preparar o mundo para ser governado pela próxima geração? Paradoxalmente não. A ambição por manter uma posição conquistada obscureceu a própria noção de que nada é permanente.
Cronos passou a devorar os próprios filhos em uma medida desesperada para evitar que o processo natural acontecesse. O que apenas atrasou e dificultou para todos o que já era uma certeza.
Mais tarde, Zeus irá escapar de ser devorado e comandará a resistência para derrotar Cronos e se tornar o novo senhor do universo. Ao passo que o Deus do tempo é jogado ao Tártaro para viver oculto nas profundezas do planeta. A queda de Cronos decorreu simplesmente da própria força que possibilitou a sua ascensão: a urgência das passagens e transições.
Em suma, o tempo não distingue ninguém: se houve um início é fato que haverá um fim. Se do pó vieste, ao pó retornarás. E assim o ciclo se sucede, provendo novos inícios, fins e recomeços que se retroalimentam.
Assim, se o tempo possui regras fixas, basta a nós entendermos as regras do jogo para poder usufruí-lo da melhor forma. Não adianta lutar contra os ponteiros, a mitologia nos confirma essa impossibilidade.
Então o que nos cabe é enxergar os momentos de passagem como oportunidades de renovação. Nós mudaremos de qualquer jeito, o cenário ao redor também irá. Por que nossos desejos, costumes e atitudes devem permanecer os mesmos?