O Sultão da Vila
Ele criou um pedacinho do Egito no bairro e com sorte, conhecimento e muito trabalho, tornou-se um dos maiores difusores da cultura árabe das américas!
Construir uma história de sucesso não é para qualquer um. É preciso coragem e determinação, acreditar na intuição, ter um pouco de sorte, trabalhar muito e não desistir jamais. A trajetória é sempre curiosa e uma lição de vida que bem poderia resultar em um livro de auto-ajuda. É essa a história que vamos contar, a de Jorge Sabongi, morador da rua Joaquim Távora e proprietário da primeira casa de chá árabe no país, a Khan El Khalili.
Sabongi começou a trabalhar cedo. Aos 14 anos o pai, professor de física, orientou: “Se você quer ser alguma coisa na vida não vai ser na rua, tem que trabalhar!”. E lá foi ele ser assistente de uma empresa de contabilidade. Trabalhou por muitos anos no local, mesmo durante a faculdade de Economia.
Desde pequeno, acalentava a esperança de ter o próprio negócio: “Tinha grandes idéias, mas as pessoas não queriam correr riscos”, relembra. Um dia encasquetou em abrir uma casa de chá egípcia. “A idéia surgiu quando vi uma mulher colocando patê em um pote. Sei lá, gostei daquilo!”. Isso há 26 anos…
E Sabongi deu início ao que hoje é considerada referência da cultura árabe em toda América: “Comecei comprando objetos. Todo dinheiro que ganhava, investia. Guardava tudo em casa: xícaras, bules, talheres. Deixei minha mãe louca!”. Quando a casa ficou pequena, pediu espaço aos amigos para guardar sua futura casa de chá. “Já tinha imaginado tudo, via a casa funcionando, mas faltava dinheiro e o principal, alguém que também acreditasse no negócio para não me sentir só”.
Com os objetos adquiridos, faltava encontrar um local pra abrir o negócio: “Um dia sonhei com uma casa próxima ao Largo Ana Rosa, em uma rua que não fazia parte do meu caminho”. Pediu que um amigo o levasse à rua Dr. José de Queiroz Aranha após a faculdade. A surpresa foi quando viu a casa, no 320 com a placa: “aluga-se”. “Era exatamente a do sonho!”. Desconfiada do tipo de negócio e com o fato de não existir nenhuma garantia, a imobiliária não se dispôs a alugar.As tentativas não foram poucas até que um amigo chegou de surpresa com o telefone do proprietário da casa e Sabongi foi até ele: “Ele me perguntou se eu confiava que minha idéia ia dar certo e respondi com a maior convicção que sim. Foi-me dada a oportunidade de minha vida!”, confirma.
Em 22 de junho de 1982, com pouco mais de 20 anos e sem dinheiro, Sabongi recebeu as chaves nas mãos. “Pensei: ambientes pequenos são mais aconchegantes e não dão idéia de casa vazia”. E sem quebrar uma parede iniciou a decoração dos diferentes ambientes da casa com as coisas que por dois anos havia comprado.
Paralelamente começou a pesquisar. Foi buscar nas casas de família árabe informações sobre a cultura e os hábitos dos imigrantes para montar a casa – decoração, cardápio, costumes etc. Visitou inúmeras famílias. “Não havia muitos livros sobre a matéria e a memória oral das pessoas foi primordial para conhecer a cultura”. Percebeu, então, que precisava adaptar as receitas ao paladar do brasileiro, que não está acostumado às fortes especiarias da culinária árabe. E lá foi ele para a cozinha criar o cardápio.
Um mês depois de pegar as chaves, a Khan El Khalili – nome de um famoso mercado egípcio – estava pronta: “A primeira meta foi cumprida e as portas, abertas ao público”. Sabongi fazia tudo: realizava as compras, servia, preparava o pedido, atendia o telefone, lavava louças, fazia a faxina, era o caixa, o anfitrião, o office-boy, e o que mais aparecesse. Além disso, continuava trabalhando no emprego pela manhã e estudava economia à noite. Todo dinheiro que ganhava colocava na casa, que cuidava à tarde e, se necessário, de madrugada. “No começo o que mais senti dificuldade foi em negociar com os fornecedores. A pressão era muito alta e credibilidade não se conquista de um dia para outro”, diz.
O exótico Khan El Khalili – com almofadões em vez de cadeiras, cores fortes e aromas adocicados – a princípio causou estranheza aos novos clientes e, uma semana depois da inauguração, o movimento caiu muito. “Mas meu pai me ensinou a não desistir. Dizia que nunca devemos olhar nem de baixo para cima, nem de cima para baixo. Sem arrogância e sempre em frente. Mas confessa: “Foi uma fase bastante difícil”.
Um dia recebeu uma visita providencial: um egípcio foi conhecer a casa de chá e deu a idéia de promover uma noite de dança do ventre – ainda restrita aos poucos restaurantes de colônias árabes. Sabongi seguiu o conselho e contratou duas bailarinas as ‘chacretes’ Rita e Mileide.
A atração pegou. O show, que acontecia uma vez a cada três meses, passou a ser exibido mensalmente e a clientela aumentou. Além disso, moças que freqüentavam o local se interessaram em aprender a dança e Jorge resolveu abrir aulas de dança do ventre em sua casa de chá. A iniciativa deu certo! De 1983 a 1991 passaram aproximadamente 500 bailarinas pela Khan El Kalili. “Na verdade é um número muito expressivo, pois quando comecei eram apenas cinco ou seis bailarinas”. De seu Khan El Khalili, a dança árabe começou a se expandir.
Tudo parecia bem, mas a instabilidade econômica começou a atrapalhar seus negócios ” Em 1984 com a inflação alta, senti que estava difícil de continuar. “Passei noites sem dormir pensando em uma solução”. Mais uma vez a intuição ajudou: “Chamei cinco jornais, entre eles O Estado de S. Paulo e a Folha, revistas Veja, Isto é, Visão, a rádio Metropolitana FM e até o cinema (abertura do Primo Carbonari) e fez uma proposta de publicidade. “Disse que queria anunciar e que pagaria dentro de um ano, o que era um grande risco”, relembra. E a casa Khan El Khalili passou a aparecer em diversos lugares ao mesmo tempo, o que despertou curiosidade e mais clientes: “Parecia que estávamos na crista da onda”, diverte-se.
Enfim, a casa havia conquistado uma boa clientela, mas Sabongi não se sentia satisfeito. “Achava que as bailarinas deviam ser mais bem treinadas, faltava preparo…”. Elaborou, então, um critério de seleção para as que quisessem se apresentar em sua casa de chá: “Institui um verdadeiro padrão de qualidade, exigindo um alto nível técnico. Hoje em dia muitas dançarinas são requisitadas para dançar em diversos países do Oriente Médio”.
Em 1991 a Khan El Khalili foi ampliada, mas o melhor estava por vir. Em outubro de 2001, a TV Globo passou a exibir a novela “O Clone”, que propagava a cultura árabe. Mais uma vez ‘antenado’, Jorge pegou carona com o sucesso da novela. “A demanda por aulas de dança do ventre cresceu”. E ele em 16 dias produziu mais de 40 vídeos didáticos sobre dança do ventre.
Apoiado pela colônia Árabe – “Sabiam da seriedade de meu trabalho” , em 1997 Sabongi resolveu criar o site da Khan El Khalili, com o propósito de fazer dele mais do que um endereço da casa de chá, mas um portal de cultura árabe. “Fiz um curso para entender a fazer e não depender de ajuda”.
Hoje o www.khanelkhalili.com.br recebe em média 2.000 visitações diárias, são mais de 12.000 páginas de informação e mais de 1 milhão e meio de visitas! “O site é referência. É o mais acessado das américas!”, festeja.
Jorge Sabongi vive hoje como um sultão no seu palácio repleto de painéis egpícios, tapetes persas, narguiles, almofadões e tecidos coloridos e brilhantes que fazem o clima dos 13 diferentes ambientes da casa. Desde então, ele aprendeu a falar árabe, a tocar címbalos e foi ao Egito diversas vezes.
Rodeado de belas mulheres e sempre com seu Karkadêh na mão, o chá de flor de hibisco, outro costume árabe que adquiriu, Sabongi afirma que a sorte ajudou. “Mas foi apenas um dos fatores, atreladas a ela existem dedicação e a vontade muito forte de dar certo. É preciso arriscar-se para realizar um sonho”, ensina. Mesmo assim ele confessa que nunca poderia imaginar quanto seria importante para a difusão da cultura árabe: “Você sabe quantas sementes tem em uma maçã, mas não sabe quantas maçãs tem em uma única semente”, reflete o empreendedor.