Zona de impacto!

O pedaço da Vila, uma ilha em forma de gota no imenso mapa da cidade
de São Paulo, sofre sérias consequências devido ao crescimento da cidade. A área, além de ser zona de passagem de carros que cruzam as vias 23 de Maio, Vergueiro, Sena Madureira e a mais recente Av. Ibirapuera, recebe novos empreendimentos imobiliários, que trazem novos moradores e, consequentemente, mais tráfego nas ruas. Aonde vamos parar?

Nosso pedaço vem sofrendo, desde 2002, sérias consequências devido ao crescimento urbano e populacional. De acordo com estudo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) da prefeitura, a Vila Mariana já é considerada um dos dez bairros saturados da cidade. Isto é, um lugar em que há muito mais carros em circulação do que ruas com capacidade para abrigá-los.

O problema acontece justamente nas regiões que mais recebem lançamentos imobiliários e pólos geradores de tráfego, como escolas, universidades, shoppings, clubes, hospitais, entre outros estabelecimentos de médio e grande porte. A situação piora quando motoristas mais apressados buscam ruas próximas, estritamente residenciais, para “cortar” caminho até as grandes avenidas.

Por falhas na legislação em aprovar sem estudo novos projetos imobiliários de impacto, há assim uma urbanização desordenada e sem prever o futuro movimento adicional nas áreas já saturadas.

A situação na Vila Mariana é alarmante e tende a piorar ainda mais. O mercado imobiliário local encontra-se aquecido e em expansão. Novos empreendimentos pululam nas vias do pedaço. E como reflexo dessas obras quando concluídas, o trânsito, que já não está fácil por aqui, ficará ainda mais complicado. Só a já movimentada rua Pelotas receberá dois novos torres em 2010. Localizados no número 209, ambos terão aproximadamente 20 andares cada, num total de 160 apartamentos, o que corresponde a mais algumas centenas de carros no sistema viário do bairro.

As construções vão além. A antiga padaria, situada na esquina das ruas Humberto I e José Antonio Coelho, dará lugar em breve a um espigão. Outros edifícios estão saindo do chão nas ruas Cubatão, Conselheiro Rodrigues Alves, Bagé com Tutóia, Rio Grande, Joaquim Távora, Jorge Chammas – este, próximo ao Detran -, além dos que estão por vir.

Na rua Pelotas, que começa na Dr. Astolfo Araújo e termina na Humberto I, o panorama é o mais preocupante. Seu estreito trecho já fica congestionado em hora de pico. E além de possuir uma série de prédios residenciais, casas, comércios, escolas, o Sesc Vila Mariana e o Multishop, que trazem pessoas e carros todos os dias, a agitada rua também é usada como passagem para grandes vias. Aliás, a região toda é caminho para grandes avenidas, como 23 de Maio, Vergueiro, Paulista, rua Sena Madureira e o Complexo Cebolinha rumo ao aeroporto de Congonhas.

Ângelo Fernandes, taxista da Pelotas há 42 anos, está assustado com a “muvuca” que virou seu ponto. Ele conta que quando veio para a Vila Mariana, em 1949, o bairro “até passava bonde”, agora reclama: “A Pelotas está cada dia mais carregada. Não tem mais um horário de pico, o trânsito é a qualquer hora. Acredito que a coisa começou a ficar mais crítica há uns cinco anos, quando foi construído aqui um shopping. Mas se trata também de uma rua de desvio e passagem para tudo”, opina.

Neste cenário saturado, os moradores pagam um preço alto. A publicitária Rachel Buzzoleti diz que sua rotina foi modificada nos últimos anos em função do carregado trânsito da região. Ela demorava meia hora para chegar até seu trabalho na avenida Berrini, a cerca de 9 km da Vila Mariana. Atualmente, leva mais de uma hora. “Para sair do bairro, que antes era rápido, agora é um problema. Cada dia tem um prédio novo, fora o trânsito das escolas da região. Daqui a pouco será mais rápido ir andando para o serviço.”

A vizinhança reclama

A ausência de pesquisas de impacto logístico para prevenir a alta densidade habitacional e comercial é criticada pelo advogado José Fernando Duarte, de 46 anos e morador da Vila Mariana há seis. “Não é feito nenhum estudo com antecedência pela prefeitura sobre o número de novas famílias, quantidade de carros, poluição sonora e do ar antes de um novo empreendimento a ser aberto.” Uma sugestão interessante dada pelo vizinho José Eduardo é a moeda de troca. “Para cada prédio construído, a obrigação de criar ou preservar uma área verde no pedaço, sob pena de não construir mais”.

Procurada pela reportagem para responder como controlar todo o movimento decorrente das grandes e novas construções, a CET explicou, por meio de sua assessoria, que são feitos estudos do impacto logístico apenas para grandes pontos comerciais, como universidades e shoppings. Aliás, na maioria das circunstâncias, esses estabelecimentos geradores de tráfego precisam até promover melhorias viárias em seu entorno como contrapartida. Mas, muitas vezes, a fiscalização para o cumprimento dessa regra é ineficaz. Já no caso de empreendimentos residenciais, o órgão prefere esperar o prédio ficar pronto para então avaliar as medidas viárias cabíveis.

Para a CET, são considerados pólos geradores de tráfego: empreendimentos comerciais com mais de 80 vagas de garagem nas chamadas Áreas Especiais de Tráfego (centro expandido) ou 200 vagas no restante da cidade; condomínios residenciais com mais de 500 vagas de garagem; prédios institucionais (hospitais, clubes etc.) com mais de 2.500 m² de área construída; e locais de reunião com mais de 500 lugares.

Diante do crescimento descontrolado e cenário travado do bairro, o subprefeito da Vila Mariana, Alexandre Modonezi, esclarece que pouco pode fazer. Isso porque os prédios e comércio novos estão situados dentro da área permitida de zoneamento, determinado pela lei Nº 13.885, de 25 de agosto de 2004. De acordo com a norma, a região está inserida numa área de Zona Mista de Alta Densidade populacional. “Pela lei de zoneamento, a Vila Mariana é um distrito onde podem ser construídas habitações e serviços e, dependendo do local, não há limite de altura para os edifícios”, informou.

O subprefeito aconselha ainda que a própria comunidade tenha uma participação maior, a fim de minimizar a atual explosão

habitacional e de fluxo de veículos na Vila Mariana. “A força dos moradores com interação e diálogo a favor do bem estar de um bairro mais tranqüilo poderia fazer com que as discussões públicas levassem realmente a um resultado efetivo de controle da situação, como acontece em alguns lugares da Europa, onde moradores se unem para proteger seus bairros”, sugere Modonezi.

Segundo o experiente arquiteto e vice-presidente do Movimento Defenda São Paulo, Paulo Bastos, o problema da saturação na circulação dos bairros acontece principalmente pelo excesso de tráfego e também pelo estacionamento de carros que ocupa área fixa nas vias. Ele avalia que o atual modelo viário da Vila Mariana não comporta novas obras e todo o fluxo gerado por elas. “Cada área possui uma estrutura viária fixa que só permite uma determinada capacidade de tráfego. Portanto, qualquer acréscimo de movimento gera um colapso e infarto ao sistema”, explica.

O urbanista cobra dos poderes competentes uma avaliação mais correta e precisa sobre os pólos geradores de tráfego. “É preciso haver um estudo mais detalhado de quanto esses pólos resultam em número de trânsito. E as autorizações são dadas mediante contrapartidas não praticadas pelos estabelecimentos”, aponta.

Para o arquiteto, a questão do tráfego nos bairros deve ser inserida dentro da lei de zoneamento e ocupação do solo. “O ideal é não admitir novas instalações comerciais ou residenciais sem antes realizar estudo quantificado com índices estabelecidos de fluxo a serem configurados com cada zona da cidade.”

Como forma de controlar o caos das regiões saturadas, Paulo Bastos defende a delimitação de área para novos pólos geradores de tráfego. “Com urgência, é preciso adequar logo a capacidade viária à geração de tráfego originário desses pólos. O planejamento deve ser dinâmico sem ser permissivo”, assevera.

Paulo culpa o poder público por não ter planificado a cidade de modo a prever o crescimento habitacional e populacional. Segundo ele, enquanto perdurar o atual modelo viário, qualquer medida alternativa de trânsito será inócua. “Depois que desmantelaram a malha ferroviária para privilegiar o carro e o asfalto, nada vai adiantar. Ao passo que se aumenta progressivamente a frota, perde-se logo o efeito de qualquer ação contra o trânsito, como

já acontece com o rodízio de veículos. É preciso investir pesado na ampliação do metrô. Só assim haverá luz no fim do túnel”, sustenta.

De acordo com o urbanista, uma solução atenuante seria a criação dos chamados “bairros protegidos”, conceito já muito difundido em outros países desenvolvidos, onde há zonas residenciais. Para manter a circulação sossegada e desviar todo o tráfego de passagem dentro dessas áreas de moradia para vias estruturais, é preciso instalar alguns bloqueios (como lombadas e chicanes) e até mudanças de mão das ruas internas. “Dessa forma, desestimularia toda a circulação que não seja local, dos veículos que só usam o bairro para atravessar. Assim, se evitariam riscos e perigos de acidentes aos pedestres e moradores”, argumenta.

A CET tem projeto semelhante batizado de “comunidade preservada”. Nesse caso, a vizinhança elabora sua própria proposta viária e encaminha para estudo e implantação da companhia. Os custos das eventuais obras de trânsito, porém, ficam a cargo dos moradores interessados.

Já o vereador Aurélio Nomura (PV-SP), morador da Vila Mariana, vê como solução o caminho da lei. Ele atribui o colapso no sistema de circulação dos bairros saturados a falhas no Plano Diretor Regional Estratégico de Uso e Ocupação do Solo. “Quando o plano diretor regional foi alterado pela primeira vez, permitiu-se construir numa metragem de duas a quatro vezes o tamanho dos terrenos, usando o potencial construtivo de cada distrito. Mas fizeram isso aleatoriamente, pegando um cálculo dos últimos dez anos, sem estudar de fato o estoque disponível [infra-estrutura e volume permitido para se construir residências e comércio] dos bairros”, explana Nomura. “Atualmente, os estoques de muitas regiões estão distorcidos e fora da realidade. Enquanto não rever a lei e regulamentar essas discrepâncias, os absurdos continuarão”, completa.

O parlamentar acredita que o realinhamento do estoque e a avaliação da capacidade para novos empreendimentos excessivos (residenciais e comerciais) em cada bairro devem ser incluídos na revisão dos planos diretores regionais. No entanto, a retomada dos debates sobre o tema só vai acontecer no próximo governo municipal.

“Em ano eleitoral, a Câmara não consegue votar nada. É preciso pressionar o Executivo e cobrar dos vereadores sobre o planejamento da cidade logo no começo da próxima gestão. Ou no máximo até o 2º ano da legislatura seguinte para discutir isso junto à população, com no mínimo cinco audiências públicas em cada subprefeitura”, orienta.

Nomura culpa ainda as subprefeituras pela incapacidade de esclarecer corretamente a questão dos estoques construtivos aos munícipes. “É um debate que precisa ser feito com a população por meio das audiências públicas. Nesse aspecto, as subprefeituras deixaram a desejar e precisam se preparar melhor. Pois as poucas reuniões abertas já promovidas foram lastimáveis e superficiais”, critica.