Margareth Lara Capurro
Bióloga e professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, Margareth Lara Capurro desenvolve pesquisas com Aedes Aegypti transgênicos e integra a recém-criada Rede Zika, grupo que reúne diferentes cientistas-pesquisadores do zika vírus. Moradora da Vila Mariana, ela conversou com o Pedaço da Vila sobre a rápida disseminação da doença, sua relação com a incidência de microcefalia no país, a precariedade dos laboratórios brasileiros e faz um alerta: não é mais possível erradicar o mosquito Aedes Aegypti, o que se pode fazer é controlá-lo. E o trabalho começa em casa!
Pedaço da Vila: O Brasil conseguiu erradicar o Aedes aegypti nos anos de 1950 e ele retornou ainda mais poderoso. Por quê?
Margareth Lara Capurro: Sim, mas sua erradicação só foi declarada em 1970. No final dos anos 1980, o mosquito voltou ao país e nunca mais foi erradicado. Ele chega em containers, em navios, em aeroportos… Hoje, com a rápida movimentação humana e a globalização, não tem mais como se falar em erradicação. O que a gente pode falar é eliminação em pequenos locais e controle. Erradicação não tem mais jeito.
Pedaço da Vila: Por que é impossível erradicá-lo e quais são as medidas mais adequadas para combatê-lo?
Margareth Lara Capurro: O que precisamos fazer é um controle integrado. Não existe uma única técnica que é a salvadora da pátria. O que temos é uma somatória de técnicas que você pode aplicar para controlar a população do mosquito. Eu gosto muito de comparar esse combate a uma guerra. Quando há uma guerra, você não manda somente soldado, tem que enviar tudo o que está disponível. Com o mosquito é a mesma coisa. Não adianta apenas virar o balde de água ou tirar o vaso de planta, é preciso fazer um controle integrado. É óbvio que é preciso fazer um tratamento nos reservatórios e retirar os lixos. Um grande problema é o saquinho plástico; a quantidade de sacos plásticos em terrenos baldios é muito grande, e é impossível retirar todos. A fêmea até coloca os ovos em reservatórios apropriados, mas as larvas do mosquito sobrevivem em qualquer lugar. Depois de uma chuva e uma enxurrada, as larvas irão sobreviver com apenas uma pocinha d’água. Eu já vi larva sobrevivendo em papel de bala! E como é que um agente da saúde vai tratar um papel de bala? O que acaba acontecendo é que a atuação dos agentes não será igual em todos os lugares. É preciso avaliar a localidade. Em lugares que têm água encanada, por exemplo, você não precisa tratar o reservatório, mas em locais que não têm e se faz uso de reservatórios, é preciso de tratamento. Onde há cisternas, você pode jogar peixes larvicidas, pois eles comem as larvas. Dependendo das condições do ambiente, você precisa usar diferentes técnicas. Uma caixa d’água em cima de um prédio, por exemplo, não será um reservatório. Mas se essa caixa estiver no fundo de uma casa ou numa cisterna, sim, e você pode adicionar o peixe para exterminar as larvas.
Pedaço da Vila: De que maneira o ambiente urbano influencia a proliferação do mosquito?
Margareth Lara Capurro: O Aedes aegypti é totalmente adaptado ao ambiente urbano. Você não o encontra mais em ambiente silvestre. O mosquito não vive fora da casa, ele gosta de viver dentro ou no lado externo da residência. Ele vive em locais onde há condições de moradia muito apropriadas, em casas que são fechadas, sem tela, sem ar condicionado, em regiões sombreadas. A impermeabilização da cidade ajuda? Sim, mas o lixo é muito mais criadouro do que uma poça no asfalto. A fêmea não coloca seus ovos na água, mas sim na parede próxima à água. O problema é que o ovo é resistente. Ele resiste por mais ou menos um ano e, nesse período, a qualquer chuva esses ovos eclodem. A explosão ocorre de um verão para o outro, mas, no inverno, a qualquer chuva, independentemente da temperatura, esses ovos irão eclodir, o que ocasiona pequenos picos. O Brasil é um berço de mosquito. Tem muita chuva, temperatura elevada e existem muitos reservatórios. Então, combatê-lo é muito difícil. Nos anos 1950, o clima não era muito diferente, mas, naquele momento, a movimentação humana era menor e o vírus não se espalhava tão rápido. Nós, pesquisadores, estamos assustados com a velocidade da gestação do zika.
Pedaço da Vila: O que justifica essa velocidade e essa explosão repentina no país e no mundo?
Margareth Lara Capurro: O Aedes aegypti tem uma velocidade de dispersão muito alta. Ao observar o mapa do Ministério da Saúde do ano passado sobre o zika e o chikungunya, que entraram no Brasil quase ao mesmo tempo — o zika um pouco antes —, percebe-se que o zika já está no Brasil inteiro, enquanto que o chikungunya está localizado fortemente na Bahia e se espalhou de forma mais lenta. Já o zika vírus atingiu inúmeros países muito rapidamente — e ele começou a ser detectado apenas no ano passado… Estamos num ponto assustador e não há muita coisa que se possa fazer. A única é uma ação efetiva para o controle do mosquito, pois ainda não há tratamento, não há vacina. Lógico que os pesquisadores estão indo atrás da vacina, mas ainda falta muita informação sobre a própria doença. Primeiro é preciso aprofundar os estudos e obter mais informações clínicas para desenvolver uma vacina eficiente.
Pedaço da Vila: Há evidências da associação da microcefalia ao vírus zika?
Margareth Lara Capurro: Por que estão ocorrendo esses casos de microcefalia? Até essa pergunta precisa ser respondida… Ainda não temos todas as respostas. Montamos, em São Paulo, uma rede que se chama Rede Zika, formada por 40 pesquisadores de diferentes áreas para estudar a doença.
Pedaço da Vila: O Brasil foi escolhido pela OMS para liderar as pesquisas sobre o zika. O país está recebendo financiamento externo para desenvolver as pesquisas?
Margareth Lara Capurro: Como é algo recente, ainda não temos informações sobre o modo como isso ocorrerá. O que a gente recebeu foi uma ajuda da FAPESP, uma ação emergencial, para a compra dos primeiros reagentes que precisamos para fazer essa Rede Zika aqui em São Paulo. Provavelmente, começaremos a receber um financiamento maior.
Pedaço da Vila: Nesses últimos anos houve uma diminuição da verba destinada às pesquisas para combater o Aedes aegypti?
Margareth Lara Capurro: Houve, mas num país que está em crise financeira, uma das primeiras verbas cortadas é a da Ciência. O meu projeto dedicado ao estudo de Aedes transgênicos teve um corte no orçamento. Nesses momentos de crise, é preciso dar prioridades: não se gasta dinheiro em projetos de pesquisa quando se precisa cobrir um hospital, por exemplo. Ocorreu um corte geral de verba no país. O projeto do CPQ, por exemplo, que já abriu edital e os projetos já foram aprovados, ainda não liberou recursos. Antigamente, quando se tinha uma crise muito grande no Brasil, você recorria a projetos financiados no exterior, recorria para a OMS, para a União Europeia… Hoje eles também estão em crise, os laboratórios americanos estão fechando. Não há mais nem para quem recorrer. De modo geral, para mim, é muito sofrido ver um país como o Brasil, que não é pobre, sofrer o que está sofrendo. Por mais que você consiga recursos, as estruturas dos laboratórios encontram-se decadentes. Os prédios da Universidade são muito velhos, não existem laboratórios adequados com nível de segurança. Está um caos!
Pedaço da Vila: Depois que a microcefalia e o zika foram declarados emergência de saúde internacional, a OMS disponibilizará recursos para as pesquisas?
Margareth Lara Capurro: Ainda não temos informações de como isso será feito. O que acaba ocorrendo são os editais de chamada de projetos. Acontece que até o dinheiro destinado à pesquisa se perde no caminho. Alguém vai pegar o dinheiro! É preciso ter uma infraestrutura de análise desses projetos para fazer o repasse do dinheiro. Você não pode sair dando dinheiro para todo mundo, é muito complicado. E isso vai depender de como essa infraestrutura será montada.
Pedaço da Vila: Mas existe a possibilidade de a microcefalia não ter ligação com o zika vírus?
Margareth Lara Capurro: Por enquanto não. A suspeita maior é o zika vírus, os exames de crianças com microcefalia estão apontando para isso.
Pedaço da Vila: Pesquisadores norte-americanos afirmam que o zika vírus pode ser transmitido também por relações sexuais… Quais as formas que o zika vírus pode ser transmitido?
Margareth Lara Capurro: Existe essa possibilidade de o vírus estar no espermatozoide e na saliva, mas a principal forma de transmissão é pela picada do mosquito. Pode ocorrer também por transfusão de sangue, pois não há controle. Não se sabe ainda como o vírus se comporta numa bolsa de sangue.
Pedaço da Vila: A senhora desenvolve um estudo com Aedes aegyptis transgênicos para combater a dengue. Quais são os resultados?
Margareth Lara Capurro: O Aedes aegypti transgênico macho foi desenvolvido por cientistas ingleses que montaram a Oxitec – Oxford Insect Tecnologies. Isso há muitos anos. Eles ofereceram a diversos países do mundo para fazer a linhagem transgênica para poder controlar o mosquito. O Brasil topou fazer o teste, e eu fui a coordenadora do projeto PAT (Projeto Aedes Transgênico). A gente importou essa linhagem da Oxitec e fez a liberação dos mosquitos na cidade de Juazeiro, BA, para combater a dengue, em 2011. Foi um projeto piloto para testar se o mosquito voa, como voa, se ele reduz a população, se consegue fazer uma barreira… São inúmeras perguntas. O segundo projeto foi realizado na cidade de Jacobina, também na Bahia, e a questão era como fazer o transporte da biofábrica (da produção dos machos) para o local de liberação, e como seria a logística em uma cidade maior. O projeto de Jacobina será concluído no mês que vem. Quanto aos resultados, foram bastante positivos, mostrando que a técnica é eficiente. A Oxitec pegou esses resultados, entrou na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) com o pedido de avaliação para a comercialização do produto e montou em Campinas uma pequena biofábrica, da qual não faço parte, e agora estão registrando o produto na ANVISA. Com isso, fizeram um teste piloto em Piracicaba, e, no bairro em que foi aplicado, diminuiu os casos de dengue. Então, para associar diminuição de mosquito com diminuição de casos de dengue, você precisa avaliar no mínimo por cinco, dez anos. O zika vírus no país é recente…
Pedaço da Vila: Quais as pesquisas realizadas no país sobre o zika vírus com resultados positivos?
Margareth Lara Capurro: Tivemos pelo menos dois pilotos no Brasil com resultados bastante interessantes de controle de população de mosquito. Um em Manaus, no qual foi usado o próprio mosquito, o macho, com o larvicida no corpo, para contaminar os reservatórios que não são visíveis. O mosquito tornou-se um agente de saúde que ajuda a tratar os reser-vatórios, e os resultados foram promissores. Outro estudo foi, junto com a comunidade, fazer uma armadilha de captura em massa usando garrafas pets. Trata-se de um criadouro com larvicida. Você coloca cinco garrafas em cada casa para matar os mosquitos. Esse projeto foi realizado em Recife e teve um bom resultado. Esses estudos diminuíram em 80% o mosquito nas áreas. Não existe uma arma única para combater o mosquito.
Pedaço da Vila: É possível que os mosquitos de outras espécies possam ser vetores da doença?
Margareth Lara Capurro: Quando a gente fala que ele pode ser vetor de outras doenças acontece da seguinte forma: você pega o vírus no laboratório, infecta outro mosquito, e vê que ele fica infectado com o vírus. Ele é um potencial vetor, ele pode transmitir. Se ele vai ter um papel na transmissão real, isso será preciso ainda avaliar, pois, para saber, é necessário que ele pique outra pessoa. O que a gente faz é recolher os mosquitos de uma área que sofre uma infecção e então associamos a infecção à espécie retirada do local. Uma parte do projeto dessa Rede Zika, da qual faço parte, trabalhará na captura de mosquitos nas casas de pessoas que ficaram com suspeita ou tiveram o vírus zika.
Pedaço da Vila: O combate ao zica vírus está sendo realizado de modo unificado no país?
Margareth Lara Capurro: Existe uma tentativa de haver uma união de cientistas, o que não é uma coisa fácil. A ideia é que se faça uma integração maior, pelo menos com alguns centros. O país inteiro está correndo atrás. Acontece que há uma concentração maior de pesquisadores no estado de São Paulo, mas isso não quer dizer que é aqui que estão acontecendo as principais pesquisas. Acontece que São Paulo tem a FAPESP, onde está a verba para as pesquisas.
Pedaço da Vila: A síndrome de Guillain-Barré também está sendo associada ao zika vírus…
Margareth Lara Capurro: Essa síndrome é associada a uma série de doenças, não somente ao zika vírus. A febre chikungunya também pode provocá-la. A síndrome provoca uma ação no sistema nervoso central que paralisa o corpo em diferentes graus. Esse era o maior problema quando ficamos sabendo de casos de chikungunya no Brasil. O medo era ter o aumento da síndrome. De repente surgiu o zika com a microcefalia num nível muito grave. Mas você tem sim essa associação e já está descrita tanto para chikungunya quanto para o zika. É que nem a dengue hemorrágica, é uma minoria que tem a síndrome de Guillain-Barré.
Pedaço da Vila: Quanto tempo após ser infectada uma mulher poderá engravidar sem que corra o risco de ocorrer a microcefalia?
Margareth Lara Capurro: Ainda não sabemos por enquanto. O grande problema é: quando se faz o exame de sangue em uma pessoa que teve o zika vírus, ao procurar o vírus nesse exame, ele não é detectado, pois pode estar escondido em algum órgão.
Pedaço da Vila: Quais seriam os conselhos que a senhora daria para que todos possam ajudar a combater o Aedes?
Margareth Lara Capurro: É simples. Retirar os criadouros e receber os agentes de saúde. Não basta jogar a água fora, é preciso lavar o recipiente, pois os ovos ficam nas beiradas. As grávidas precisam usar repelente, pois o risco é muito grande. Usar perfume também ajuda. Essas medidas são 100% efetivas? Não, mas é preciso utilizar tudo o que possa ajudar: colocar telas na janela, jogar cândida no ralo quando for viajar… Tudo que acumula água é um perigo!