Mestre do Jazz
Nascido no pedaço, Wilson Curia tem a vida inteira pautada pela música. Quando gostava do palco, tocou com grandes artistas, nacionais e internacionais, mas resolveu seguir sua vocação de ensinar e, hoje, é considerado um dos melhores professores do mundo.E um dos mais atuantes: cerca de 70% dos músicos profissionais do Brasil passaram por suas mãos
Que a Vila Mariana é um celeiro de renomados artistas, não há dúvida. Daqui saíram atores e diretores, como Gianfrancesco Guarnieri, pintores, como os irmãos Arcangelo e Thomaz Ianelli e Lasar Segall, cantores, como Rita Lee, entre muitos outros músicos, como Sabá (falecido este ano), Nasi, Edgard Scandurra e os vizinhos Adylson Godoy, Simbad (do Demônios da Garoa), Osmar Barutti e Bira (do Sexteto do Jô).
Um deles, há mais de 50 anos no pedaço, é referência internacional, responsável por formar profissionais que fazem sucesso pelos palcos do país. Trata-se de Wilson Curia, pianista – e um senhor professor – que há 20 anos mantém sua escola aqui no bairro: “Dei aula para gente que trabalha com Roberto Carlos, Hermeto Pascoal, Vanderleia, Roberto Leal Chaves e outros nomes importantes da música brasileira e internacional. Posso dizer que cerca de 70% dos músicos profissionais do Brasil passaram pelas minhas mãos”, orgulha-se o dedicado professor, considerado um dos maiores educadores de Jazz do mundo, segundo a American Jazz Society.
O talento ele descobriu na adolescência. Depois de se arriscar na gaita de boca, no cavaquinho e na bateria, Wilson iniciou as aulas de piano ainda aos 13 anos: “Fui assistir ao concerto do professor húngaro Paul Urbach, no Teatro Cultura Artística, e após a apresentação peguei o telefone dele e comecei a ter aulas. Fiquei sete anos aprendendo, e com 17 já passava alguns ensinamentos aos meus amigos”, recorda.
Mesmo com a consciência de sua vocação musical, Curia foi cursar Direito na PUC de São Paulo: “Meu pai veio me perguntar se eu queria ser músico, tocar na noite. Eu disse a ele que não. Já havia tocado em alguns bares, como o Farney’s, o Baiuca, mas não era o que queria…”. Foi quando venceu o concurso do melhor pianista amador de Jazz de São Paulo e, em pouco tempo, já acompanhava Sarah Vaughan, em sua primeira apresentação no Brasil, na TV Record.
Depois disso, não parou mais: tocou com Sérgio Mendes, participou de um dos primeiros concertos de Jazz, realizado pelo jornal Folha de S.Paulo e foi classificado como um dos melhores músicos de São Paulo. Em 1956, durante a apresentação da banda de Dizzy Gillespie em São Paulo, teve a oportunidade de tocar com três de seus melhores músicos: Phil Woods (sax alto), Frank Rehack (trombone) e Marty Flax (sax barítono).
O reconhecimento fez com que Curia tomasse coragem para estudar fora do país. Foi para Boston, Massachussets (EUA), e, em 1959, concluiu o curso de Harmonia Moderna, Improvisação, Arranjo e Orquestração do Berklee College of Music, tendo como professores Robert Share, Jim Progris e Harry Smith.
Voltou ao Brasil e passou a acompanhar grandes nomes da música mundial. Participou do grupo formado por Hector Costita (sax tenor), Magno D’Alcântara (trumpete), Luiz Chaves (contrabaixo) e Rubens Barsotti (bateria), que se apresentava no Teatro de Arena, além de tocar com integrantes que, mais tarde, formariam o Zimbo Trio. Dividiu o palco, também, com João Donato, Sabá e Johnny Alf.
A relação com Johnny, que faleceu no último dia 4 de março, deixa saudades em Wilson: “Ele foi o precursor da Bossa Nova e fazia coisas inéditas no piano. Muitas vezes entrei escondido em vários shows, porque não tinha idade para assistir. Nos tornamos bons amigos e tive o prazer de tirar uma foto junto com o Johnny, dias antes de sua partida”. Mas ele confessa que o grande prazer foi ter acompanhado Liza Minnelli, em 1979, durante o ensaio de um show realizado em São Paulo.
Desde cedo acostumado a ensinar as técnicas musicais para os amigos, Wilson Curia decidiu tornar-se professor. Para ter uma ideia de sua importância, a revista Down Beat, de março de 1974, incluiu seu “Moderno Método para Piano Bossa Nova” como a publicação sobre esse gênero mais importante já lançada nos Estados Unidos. “Escrevi esse método em 1972 e até hoje ele é único. Foi publicado e acabei vendendo muito pela internet. Falo com orgulho que ele está na Fundação Nippon Gakki, do Japão, e na Lincoln Center Musical Jazz Library, em Nova York”. Curia, aliás, é autor de vários livros e vídeo-aulas, alguns dos quais foram distribuídos nos Estados Unidos pela Warner Bros. e Jamey Aebersold.
Wilson resolveu, então, deixar um pouco os palcos para se dedicar à escola que leva o seu nome: “Toquei muito durante minha vida. Onde tinha jazz, ia tocar e lapidava aquilo que aprendia com o professor. Hoje continuo me atualizando, assino revistas internacionais e fico atento ao que está mudando, para ensinar outras pessoas. Tenho muito prazer em ver meus alunos tocando por aí”.
A escola, voltada para teclado e música instrumental, oferece aulas de harmonia, improvisação e arranjo: “Trouxe dos EUA um audivisual que dá uma visão geral de como escrever um arranjo para banda em 33 minutos!”.
O professor defende que todos têm talento para a música: “Toda criança faz música batendo latinha ou tocando piano de brinquedo. A música serve para relaxar”, ensina. “Tem muitos médicos, advogados e empresários que deixam seus escritórios de lado durante uma hora por semana e vêm aprender a tocar. Ensino desde a alfabetização musical até técnicas mais avançadas, para quem já tem noção de música”.
Curia destaca que a música complementa a educação: “A criança que estuda música é menos agressiva. Já para os adultos, sempre digo que, quem quiser aprender, deve ter disposição, humildade, paciência e perseverança. Se tiver tudo isso, pode começar a aprender, que a chance de sucesso é grande!”, incentiva.
Seu curso não tem duração determinada, e as aulas acontecem uma vez por semana: “Quem tem facilidade em aprender acaba os três módulos em 2 anos e meio, mas isso não é um tempo exato. Antigamente, gastava-se no mínimo 8 anos no conservatório. Acredito que hoje a maneira de ensinar é outra, e a tecnologia contribuiu muito para essa otimização do tempo”.
Os interessados em conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Wilson Curia podem acessar o site www.wilsoncuria.com.br e conferir sua história e algumas músicas, tocadas pelo pianista.
A escola fica na rua Áurea, 251 (Tel.: 5579-3073), ao lado de nossa redação, que tem o privilégio de escutá-lo diariamente: “Sempre chego mais cedo para estudar e praticar. Mesmo longe dos palcos, não parei nunca de tocar!”.