Mochileiro da Vila
Como seu ancestral inglês homônimo, que desbravou os sete mares, Daniel Thompson, com uma mochila nas costa, fez de sua profissão viajar por todo o planeta. Conheceu países e pessoas, e seu sonho virou realidade e transformação interior. Este mês embarca para a Amazônia; na nascente do rio em Iquito inicia a última etapa da aventura: conhecer as sete belezas naturais do mundo.
Em pleno Absolutismo, entre os séculos 16 e 17, um navegador da Real Marinha Inglesa chamado Daniel Thompson desbravou os mares em busca de riquezas, guerreou bravamente e aventurou-se a serviço de seu país. Em pleno século 21, aqui, na rua Morgado de Mateus, vive outro Daniel Thompson, que trocou a vida comum das grandes metrópoles pelo prazer de conhecer o mundo e as maravilhas do planeta Terra. Coincidência ou não, quem descobriu esse capitão inglês homônimo foi sua tia, nossa colunista Cecilia Thompson, lendo o livro A Viagem Marítima da Família Real, do historiador inglês Kenneth Light.
O vizinho Daniel, 33 anos, começou a viajar pelo mundo em 2001, após se formar em Relações Públicas. “Larguei o estágio, vendi o carro e me mandei para a Europa de mochilão.” Embora suas experiências como viajante não fossem além de algumas excursões familiares, Daniel ficou 40 dias rodando pela Europa até chegar à Espanha. “Lá aluguei um quarto e comecei a estudar espanhol.” A família, notando a oportunidade de estudos e a eminente maturidade, incentivou-o a ficar mais um pouco. “Logo em seguida fui parar em Londres, onde estudei inglês durante três meses. Estava lá quando ocorreu o atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos, em 2001.”
Daniel observa que foi em Londres o despertar de seu espírito aventureiro, o desejo de viver livre, viajando pelo mundo. “Quando retornei ao Brasil, decidi prestar vestibular em Turismo e comecei a estudar bacharelado em Tecnologia de Turismo, no Senac.
No mesmo ano em que iniciou os novos estudos, em 2002, Daniel começou seus estágios; primeiro na Vasp, depois na Embratur, na secretaria de turismo e, no ano seguinte, na TAM Viagens (operadora de turismo), onde foi efetivado. Na TAM, Daniel pode desfrutar do privilégio de viajar pagando apenas 10% do valor da passagem. “Claro que só viajava se houvesse um lugar no voo… Então, pesquisava e aproveitava os feriados, finais de semana e férias, não perdia a oportunidade.” Nesse período, conheceu diferentes paisagens. “Todas as regiões do Brasil e muitos lugares da América. Saía no primeiro dia de férias e voltava no último.”
Com a experiência adquirida nas viagens, Daniel decidiu fazer o trabalho de conclusão de curso sobre “A Passagem de Volta ao Mundo”, um bilhete único que proporciona viajar pelo mundo seguindo algumas regras, como: cruzar cada oceano apenas uma vez; viajar dentro de um período de 10 dias a 1 ano, e com um limite mínimo e máximo de milhas percorridas.
Mas isso era pouco para Daniel, que almejava aprimorar sua experiência fora do país em turismo e ainda melhorar seu inglês. “Em 2006 saí da TAM e desembarquei na Nova Zelândia. Fui para Queenstown — capital mundial dos esportes de aventura — onde estudava meio período e trabalhava como camareiro em um hotel. Quando terminei meus estudos, resolvi passear pelo país: a Nova Zelândia é um país fascinante. É o lugar onde escolheria morar caso não amasse tanto o Brasil. As pessoas são agradáveis, o clima é muito bom e é um país muito organizado.”
Depois de viver mais cinco meses na Oceania, Daniel regressou ao Brasil e ao mercado de turismo, dessa vez em uma operadora especializada em destinos exóticos. Foi nessa época que ele começou a criar o projeto Mochileiro das Maravilhas, que lhe deu a oportunidade de conhecer ainda mais o mundo. “Quando fiz meu TCC, já tinha vontade de dar uma volta ao mundo. Por outro lado, queria ter um tema interessante para essa viagem e, quem sabe, conseguir um patrocínio para o projeto.”
Em 2007, a fundação suíça New Seven Wonders criou um site para as pessoas elegerem as sete maravilhas do mundo moderno. “A votação foi um sucesso — cerca de 100 milhões de votos” — mas suscitou muitas discussões sobre a validade da iniciativa, já que cada país tem diferentes números de habitantes e acessos à internet.
“Aproveitei esse gancho e resolvi dar a volta ao mundo, em 2008, pois queria conhecer as 21 candidatas a maravilhas do mundo moderno.” Assim, Daniel levou o projeto a alguns patrocinadores — “já que as minhas economias davam apenas para fazer a viagem de um jeito muito econômico”. Daniel procurou algumas empresas e encontrou apoio, além da ajuda dos amigos: “Eles ajudaram muito: um desenvolveu o site; o outro deu indicações; minha namorada, Ana, que é publicitária, me ajudou no planejamento e na apresentação do projeto; cada um contribuía como podia.”
E foi aí que ele conquistou o apoio de três empresas. “O Unibanco AIG me deu o seguro da viagem; a Náutika, empresa de equipamentos de pesca e camping, me ajudou com a bagagem — inclusive com a ótima mochilapara 20 kg — e a Hostess International me ajudou a conseguir desconto nas hospedagens ao redor do mundo. O IG Turismo gostou do projeto e me contratou como colunista de turismo do site, com o comprimisso de semanalmente encaminhar textos e fotos de paisagens diferentes. E fui!”
Daniel partiu então para uma grande experiência. Foram seis meses e meio de viagem, 27 países e muitas histórias na bagagem. “Visitei todas as maravilhas. Na África: Marrocos e Egito; na Europa: Espanha, Inglaterra, Rússia, França, Itália, Grécia, Turquia (Oriental e Ocidental), República Tcheca, Áustria e Alemanha. No Oriente Médio: a Jordânia. Na Ásia: Índia, China, Japão, Tailândia, Camboja, Laos e Vietnã”.
As que passaram a integrar a lista foram, pela ordem: Muralha da China; Petra, na Jordânia; nosso Cristo Redentor, Machu Picchu, no Peru; o Coliseu, Itália; Chichen Itza, México; o Taj Mahal, na Índia. É importante destacar que as pirâmides do Egito não entraram na votação por serem a única maravilha antiga que continua de pé… Após uma viagem que correu ‘mais ou menos como planejado’, ensina Daniel: “É essencial planejar com batante antecedência; tomei as mais de 20 vacinas, item importantíssimo para um aventureiro.”
Ao término da viagem, Daniel retornou ao Brasil e foi recontratado pela empresa de turismo exótico para o cargo de seu antigo chefe. “Foi muito bom! Aprendi muita coisa e até pensei em me acomodar no emprego… e trabalhei na empresa por dois anos, até receber outra proposta.” Mas, em menos de um ano, ele sentiu a necessidade de por o pé na estrada novamente. Nesse momento, como turista, Daniel aproveitou a Copa do Mundo para viajar para a África do Sul. Além de voluntário do evento, fez alguns passeios: um safári no Kruger Parque, e a Rota Jardim, no litoral sul, entre outros pontos turísticos.
Mas as asas de Daniel não paravam de bater e, quando a Fundação Suíça abriu nova votação, agora para escolher as sete maravilhas naturais do mundo, ele se aventurou de novo. “Só que, dessa vez eu tinha menos tempo, menos dinheiro e queria fazer uma coisa diferente: gravar tudo em vídeo para aproveitar a onda das redes sociais.” Assim, ele criou um equipamento para viajar sozinho: “São três câmeras presas em meu corpo, uma no ombro, outra presa ao colete para me filmar — que é com quem eu converso — e uma na mão. Depois as filmagens são editadas.” A ideia deu tão certo que ele não demorou a ser convidado para apresentar os vídeos no UOL, contando suas experiências.
Ao término de 2011, Daniel enveredou por sua mais recente aventura. “Fui para a África do Sul, filmar a Table Mountain, para a Namíbia, Malásia, Singapura, Indonésia, onde está o Parque Nacional de Komodo, com os seus ‘dragões’, Filipinas, onde fica o Rio Puerto Princesa (o maior rio subterrâneo do mundo), Vietnã, da lindíssima baía de Halong, Hong Kong, Macau, Coreia do Sul, onde fica a Ilha Jeju, Estados Unidos, e Brasil e Argentina, que dividem as cataratas do Iguaçu — “maravilhosas do lado da Argentina.” Daniel se impressionou com Komodo, pois só ali existem os ‘dragões’, uma espécie em extinção, com aproximadamente 3500 exemplares. “Eles têm uma saliva cheia de bactérias que mata as presas com apenas uma mordida”, explica.
Agora, prepare-se para ir para a Amazônia, no final deste mês, onde encerrará o projeto. O viajante explica que a última parte da viagem será bem diferente das anteriores, já que a Amazônia se estende por nove países e é difícil encontrar um único lugar que a represente. “A nascente do rio está em Iquito, no norte do Peru, daí seguirei a correnteza por inúmeros quilômetros com aldeias e vilarejos à sua margem.” Após o final dessa viagem, Daniel promete um Cidadão do Mundo para o Pedaço da Vila.
Daniel Thompson, nosso mochileiro das maravilhas terrestres, conta que aprendeu a dar muito mais valor às experiências do que aos bens materiais. “Eu fui para o mundo com dez camisetas, um chinelo e produtos de primeira necessidade, e descobri que era o suficiente para ser feliz. Ao contrário das coisas materiais, minha experiência não é passageira. Posso escrever um livro, contar para meus netos e sempre lembrar dos bons momentos dessas aventura. Isso é o mais importante!” Um dia, quem sabe, alguém vai dizer que existiu na Vila Mariana um aventureiro chamado Daniel Thompson que conheceu o mundo.
Mesmo nome, espírito aventureiro, desejo pela descoberta — em meio a tantas semelhanças entre o velho ancestral inglês capitão Daniel Thompson e o Daniel Thompson brasileiro, vilamarianense do século 21, há contudo uma diferença primordial: enquanto o inglês encontrou riquezas desbravando terras alheias, o menino da Vila Mariana percebeu, em terras distantes, que a fortuna estava justamente aqui, em seu próprio país. “Nessas viagens eu me conheci melhor, aprendi a valorizar o meu país, a agradecer diariamente por ter saúde. Aprendi que podemos ajudar muito mais o próximo do que em geral fazemos, e que atitudes simples podem mexer positivamente com as pessoas. Não troco o Brasil por nada”, concluiu.
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